1° de Março

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É um dia frio, ainda escuro. Me acordo, dou uma olhada no relógio e vejo que são 5:33 A.M. Me levanto, um tanto quanto sonolento, e saio para tomar um ar na janela. Está tudo bem calmo, exceto pelo gorjeio matinal dos pássaros e o farfalhar de algumas folhas que caem no chão. É uma brisa encantadora!

Olho de relance o relógio e me espanto em ver o quanto a hora passa rápido. São exatamente 6:00 A.M, e os primeiros raios solares já resplandecem sobre quase toda a cidade. Adoro apreciar o céu, mas o dever me chama. Um longo dia está por vir.

Já totalmente desperto, vou ao banheiro escovar os dentes. Me olho no espelho e vejo meu olhar verde, mas reparo que hoje estão bastante vermelhos.
Ao sair do banheiro, procuro por uma calça jeans no guarda roupa. Após muita batalha, encontro ela pendurada em um cabide. Pego minha jaqueta de couro que estava na cabeceira da cama, e uns óculos escuros. Procurei as chaves na escrivaninha, mas depois de alguns minutos, percebo que estavam no tapete do quarto. Com o tempo que me sobra pego uma frigideira escondida no fundo do armário, ponho em cima do fogão  e faço rapidamente uma omelete, como bem rápido para não me atrasar. Pego minha mochila, dou uma última olhada no apartamento e saio.

Ainda absorto no quão belo o céu estava hoje, ia andando em direção ao ponto de ônibus. Ouço um barulho estranhamente familiar enquanto caminhava. Viro a cabeça, na esperança de encontrar a fonte daquele barulho, mas em vão, apesar daquelas pessoas indo e vindo. Chegando ao ponto de ônibus, pego então o celular que estava no bolso frontal da calça e entro em um aplicativo que baixei na noite anterior no intuito de que me ajudasse nas provas que terei hoje. Comecei a fazer um pequeno simulado de dez questões de matemática. Era um tanto quanto difícil conseguir me concentrar com todas aquelas pessoas conversando, e como se já não bastasse, aquela sensação de que algo estava a me observar, pois não descartara o barulho que ouvira há poucos minutos. De repente, a resposta para meu receio; o mesmo som, só que agora, muito mais alto e claro.

— Migueeeeel, Migueeeeel!

Me viro novamente, e desta vez consigo distinguir ele na multidão. É o meu melhor amigo, exausto de correr. Embora estivesse a uns 15 metros de distância, não era difícil saber que era ele pela sua fisionomia peculiar. Consigo ver claramente o suor escorrendo do seus cabelos ruivos cor de fogo para o seu rosto arrebatado de cansaço, com o auxílio do reflexo da luz do sol, que agora estava insuportavelmente quente.

— Eai, meu parça! Caiu da cama? — Cumprimento com um aceno e ajudando a tirar a mochila, que ele vinha quase arrastando no chão. Pegando no seu ombro e ajudando ele a respirar, pois estava muito ofegante, olho atentamente pra cabeça dele abaixada.

Após uns 30 segundos de silêncio, apenas olhando aquela cena deplorável dele na tentativa de respirar normalmente, ele levanta a cabeça e olha pra mim. Com o olhar estranhamente radiante, e como se fosse falar a coisa mais importante da vida dele, dispara:

— Eu nem te conto, Miguel! Cara, passei a noite com aquela garota que havia mencionado semana passada. Lembra? Cara, você não tem noção! Ela é muito perfeita! Não sei, mano. Não sei o que aconteceu comigo... Desde que cheguei em casa, não consigo parar de pensar nela! E descobri que o nome dela é Aurora, acredita? Mano, Aurora! Sente a perfeição na pronúncia desse nome! É como se fosse uma palavra criada especialmente para ser uma dádiva de um ser celestial! Aaaaah!

É inegável que ele esteja apaixonado por essa Aurora. Após um suspiro surpreendentemente longo, tentando recuperar o fôlego recém restaurado, ele olha pra mim e apenas sorri. Um sorriso de orelha a orelha. Tão grande que fazia seus olhos, já pequenos, quase desaparecer. Eu nunca o vi tão feliz.

— Nem preciso dizer que você se deu bem, né? Com toda essa euforia, não pediu ela em casamento, né? — perguntei brincando.

— Ainda não... Você acha uma boa ideia chamar ela para um jantar hoje a noite e fazer o pedido? — diz ele com tanta convicção na fala que é meio difícil saber se é ou não brincadeira.

Chegando a conclusão que era ironia, e percebendo o quão bobo ele consegue ser, respondo num tom mais sério:

— Sim, sim! Vai logo arrumando os preparativos, mas agora não. Vamos nos apressar, se não quisermos ir em pé no ônibus. - O ônibus para um pouco depois do ponto.

— Apressar!? Você quer dizer correr!? — diz como se fosse despencar a qualquer momento, mas mesmo assim pega a mochila, que agora estava no chão já empoeirada, põe no ombro e começa a andar incrivelmente bem rápido.

Frederick tem 18 anos. Sou mais velho que ele 4 meses, mas sempre foi mais maduro que eu.
Nós nos conhecemos na creche, e desde então, não consigo imaginar a vida sem ele como amigo; é meu braço direito. E acredito que ele também me considere assim, pois desde então, não larga do meu pé.

Já dentro do ônibus em movimento, onde tivemos que lutar para conseguirmos um lugar para sentar, como havia previsto há pouco, olho pela janela e percebo algo que me chamou bastante a atenção: o clima. Até poucos minutos, antes de entrarmos no ônibus, o clima estava muito quente, tornando qualquer aglomeração insuportável. Agora, nuvens começam a invadir o sol, quase como uma onda de fumaça jogada de repente para sufocá-lo.
Percebo que logo, logo irá chover.
De repente, o ônibus começa a parar lentamente e uma inquietação invade o espaço. Pessoas começam a se levantar e cochichar coisas inaudíveis, mas é claro o sentimento: medo, confusão.
Fazendo o mesmo, me levanto e consigo ver ao longe, numa distância de dois quarteirões, uma multidão, e a resposta para minha própria confusão veio a tona.
A multidão logo avança em direção ao ônibus, obstruindo a passagem do mesmo; uma cena bastante medonha.
O motorista, claramente irritado, sai do ônibus para saber o porquê de toda aquela movimentação.
Passando-se alguns minutos, ele entra ainda com raiva, mas com o ar um tanto quanto mais preocupado que irritado, e esclarece a todos o que estava havendo.

— Pessoal, pessoal! Atenção, pessoal! — fala elevando a voz, tentando chamar a atenção das pessoas, que faziam uma algazarra. — É o seguinte, as pessoas a frente estão dizendo que está ocorrendo algum evento misterioso e várias pessoas estão adoecendo de repente, como se algum tipo de surto viral, ou radiação, não sei, estivesse se espalhando rapidamente pelas casas.

A inquietação dentro do ônibus só piorou.
Muitos começam a debochar, outros parecem desesperados, e outros preocupados, mas com a faculdade e as provas que supostamente teríamos hoje, como um jovem meio magro e cheio de espinhas que grita:

— TEMOS SETE PROVAS PARA FAZER HOJE, E QUEM NÃO FIZER, SERÁ AUTOMATICAMENTE REPROVADO, A MENOS QUE APRESENTE UM ATESTADO MÉDICO. — percebendo que elevara demasiadamente a voz, e que várias pessoas viraram para olhar pra ele, decide abaixar o tom e continua. — Isso só pode ser boato! Como iríamos saber se é verdade, se nem ao menos vemos as pessoas doentes?

Muitos começam a vaiar o garoto. Muito provavelmente, o pessoal sem perspectiva de futuro, e que não pensam em nada além do que vão comer daqui a uma hora.
Mas então, logo todos se calam, com o grito ensurdecedor do motorista, que agora parecia bem mais alto que o normal.

—SILÊNCIO!!! — ele abaixa o tom e começa a falar com o tom mais agradável possível, talvez com medo de alguns alunos prestarem queixa contra ele pela atitude. Sinto um pouco de pena dele, pois acolho e concordo com a atitude.

— Se é isso que todos querem, vamos seguir o caminho. Mas fiquem cientes que se algo acontecer a suas vidas, eu não serei responsável.

Então ele senta no banco e começa a buzinar para que todos saiam do caminho. Algumas pessoas, irritadas com o motorista mantêm suas posições, mas logos são puxadas por outras, quando o ônibus começou a acelerar.
Frederick olha pra mim com o olhar bastante assustado, bem diferente dos olhos apaixonados há uma hora atrás, mas seguimos olhando para frente. O sol, agora tomado totalmente pela escuridão das nuvens, exprime um estranho sentimento de terror.

Bom, sendo boa ou não a escolha feita, nós teremos de descobrir ao entrar naquele bairro...

Apocalipse - Sobrevivência e ExtinçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora