Ato IX: O Distrito da Morte

46 2 3
                                    


Eu fui procurar por Elisa e não me deparei com algo tão bom como imaginava... Pessoas! Quebradas! Mortas! Se alimentando... Uma das outras... Que pavor! O meu estômago se embrulhava, se revirava, se sacudia e murchava, quando tentava me manter são, ele reclamava comigo e queria me obrigar a sair para este velho mundo encardido, cinza e obscurecido pela morte. Quantas pessoas! Eu não seria inteligente de sair da mata, agora. Não mesmo!

Será que se passaram muitos anos e não me dei conta? As pessoas estão tão famintas à este ponto? Parece até uma passagem da nossa bíblia cristã, que o povo de Jamiel, perseguido por tropas rivais, atravessava um período de dificuldades e, por isto, se alimentava até de suas crianças. Terrível!

Estou restringido às tecnologias avançadas que tínhamos. Os Telelongas não funcionam e, desde que tudo isto começou, as horas não atuam em seu estado normal. Pela tecnologia que temos, não dá para saber, exatamente, o dia, as horas, os minutos e os segundos que estou no momento. O que posso fazer é me orientar pela movimentação do planeta em relação ao Sol e, pelas projeções das sombras, der uma noção do tempo em que estou. Tenho, ainda, total impressão de que foi um ataque em escala global e já começo até em crer nas teorias de conspiração que eram abordados nas mídias alternativas dos Longa RV. Os sartarenos, novamente, declararam guerra ao mundo ocidental e querem mesmo nos destruir. Eles, profundamente, nos odeiam! A Redoma, em seu jornal de horário nobre, detalhava que o seu grande líder, Mahaomah Khan, tinha a capacidade mandar de lançar os mísseis das Sete Nações de Magboush que atravessavam o mundo inteiro e que tirava todo o ocidente do mapa mundi. Será que detonaram nossos satélites para nos deixar às escuras? Como desabilitaram tantas tecnologias? E será que nos lançaram estes monstrengos para terminar o serviço?

No passado, entre meus treinamentos táticos para casos de proteção civil contra catástrofes naturais, tivemos trabalhos em conjunto com os guardas nacionais. Estes são dados pela população como um grupo de guerrilheiros e 'heróis da massa'. Durante um bate-papo distraído sobre os lunáticos religiosos que querem nos exterminar, um deles nos disse a seguinte frase:

"Em operações inimigas, para destruir, com mais facilidade uma nação, uma implosão resolve tudo. Basta uma 'arma' que gere crises e a população vai se devorar, o que fica mais tranquila a tomada de poder e o controle do povo!"

Agora vejo que é verdade. Estamos nos devorando aos poucos e, se isto que ele disse se concretizar, logo, teremos os sartarenos dentro de nossas fronteiras. Armados até os dentes para começar o dever de 'liquidar os infiéis'... Meio longe da terra deles, mas é possível pelo que já foram capazes, anteriormente.

Bem... Chega de alucinações! Já tive várias desde quando tudo começou e não posso parar nos pesadelos, agora. Vamos Francis! Agora! Mexa-se!

Faltam poucos quilômetros e já poderia observar, ainda longe, a entrada para o Distrito de Rosa Luz, assim como onde se encontrava a entrada para o metrô. O que eu deveria fazer? Continuar a busca pela Elisa? Prosseguir com a caminhada sozinho para achar minha esposa e meu filho? Ou devo deixar tudo rumar para o horizonte nebuloso do esquecimento, fingir que terei nenhum sintoma de amargura, culpa e peso por agir, novamente, como um covarde e seguir com a minha sobrevivência? A Elisa foi tão gentil e meu deu um ar de esperança de novo... Não! Não posso ser o covarde como fui antes. Eu tenho que achar o Thomás e a Júlia! Eu tenho que procurar pela Elisa e sair dessa todos nós juntos!

O meu corpo tomou coragem e, mesmo que eu observasse tantas cenas de canibalismo, caminhei com minha perna estragada pela escuridão verde para não ser notado. Eu realmente não queria que aquelas pessoas me vissem. Para comerem gente, a fome delas estaria no topo das suas necessidades, poderiam me atacar e eu, debilitado, mesmo que em um prazo temporário, seria um alvo acessível.

Por alguns metros, eu já não me sentia tão bem quando acordei pela manhã, antes de todo este plano demoníaco que me lançaram. O meu corpo parecia formigar e sentia aquela dor de cabeça insuportável, mas precisava me mexer para algum refúgio antes do anoitecer. Na noite, somos presas fáceis e, doente, se torna mais viável um ataque. O frio da mata já parecia retornar e fica mais difícil quando estou mais fraco. Não comi desde a manhã. Água... muito menos! A inanição não era importante em um momento tão perigoso. Pior era aquela criatura retornar e me atacar como fez com aquela pobre onça. Eu tive sorte por mais de uma vez contra elas. É... Parece que a Nossa Senhora está me protegendo da escuridão da morte e me senti formidável por isto, que só peço que continue dando sua graça para encontrar meus familiares e a Elisa para darmos o fora daqui. Talvez, até fora do país.

Já se passaram alguns momentos, desde que vi aquelas heresias em forma de pessoas e vi o primeiro prédio a contar o momento que sai do centro com minha amiga. A noite chegou antes, mas, com a Graça de Deus, estou são e salvo. Apenas sinto aquela bendita dor de cabeça e fraqueza. Ao menos um alívio diante de várias aflições! Só não sei se devo comemorar, pois o meu corpo está bem pesado e sinto que vou cair a qualquer momento, mas não posso! Eu não sei se estava delirando, mas ouvia alguns passos próximos, enquanto caminhava com a muleta que a Elisa fez para mim e, por covardia, queria apenas seguir em frente. Alguém deve ter me encontrado e não poderia supor suas intenções, mas estou tão fraco que quero parar e cair no chão. Eu já não aguento mais!

Já se passaram alguns minutos, quando o meu corpo, involuntário e descuidado, escolheu cair por si próprio, embora eu não desse permissão. Eu ainda ouço os passos. Esmiolados, desconcertados e esvoaçados... Assim que os ouvia. Meu Deus! Pelo menos eu quero ver quem me perseguia e lhe peço forças para me defender, se caso me atacar. Eu não confio mais nas pessoas! A única que obteve minha confiança era aquela loira entretida! Aliás, onde será que ela está? Está viva? Ou o destino a traçou para um caminho terrível como o que eu poderia ter? Será que quem me persegue é ela? Ou outra pessoa? Eu fiz tantas esperas e não sei o que esperar... O meu coração está escuro... Escuro e misterioso como a morte... como esta estrada... A estrada que me leva para o Distrito de Rosa Luz. Agora parece me levar para o horror e já não sei... Não sei de mais nada... Nada sei... Eu só quero que isso acabe logo e eu possa ser tragado para o esplendor do céu... Ou para os lagos do inferno...

Não! Força! Tenha fé, Francis! Abra a porra dos olhos, desgraçado! Não perca as esperanças! Lute! Elisa, com certeza está viva! A sua família está bem! E tudo que deve fazer é se levantar! Erga-se! Não deixe a dúvida te engolir! Vire-se, ou vão te pegar...

Eu, não soube como, mas me vi no chão. E, com uma força que não tinha, pude me virar para observar uma silhueta me alcançando. Estava mais podre que eu e não parecia tão bem... Parecia pior! Ele bambeava e não tinha equilíbrio, mas vinha em minha direção. Eu não sabia se era para me ajudar ou me prejudicar, mas quando mais perto se encontrava, mas sentia um pavor tomando conta de mim. Os pêlos de meu corpo subiam, a adrenalina forçou caminho e me enrijeci por medo. Que fedor! Era abominável! Algo tão fétido e pálido! Mesmo com sua palidez, tinha grandes regiões negras no corpo. Estava nu e sem um braço. O sangue já não escorria, deve ter sido cauterizado. Um senhor com uma barba descuidada como a minha e fedia tanto que me incomodava mais que a dor de cabeça e na perna que eu tinha que suportar. Na verdade, já estava tão fadigado que as dores estavam em todo o corpo e não havia me dado conta disto.

Ele veio com a boca aberta e murmurava como se estivesse fora de si. Neste momento que vi que não eram boas as suas intenções. Era daquele grupo que vi na estrada, quando estava comendo as pessoas. Eu não vi os Sussurros perto, após ter encontrado um, mas não entendi o porquê delas não terem sido atacadas por eles.Será que foram contaminados por alguma doença transmitida por aquele monstro? Não sei... Nem quero descobrir. Eu, mesmo sentindo muita dor, pus a muleta na frente dele para não atacar e, por sinal, acabou por se jogar em cima de mim. Como era pesado, embora magro e velho! Seu fedor me incomodava, mas eu não tinha tanta força e lutava contra as dores, o cansaço, a vontade de desmaiar e ele. No fim, eles me venceram... Os meus olhos foram se fechando e minha fraqueza tomou total controle, durante o tempo em que o senhor se aproximava para me morder. Já não enxergava nada e já pressentia o fim de tudo... É! Ela ganhou! A morte venceu, finalmente.

* Notas:

* Jamiel - Israel.

* Telelonga - Telefone móvel inteligente.

* A Redoma - Canal televisivo de entretenimento.

Sussuro O PrelúdioOnde histórias criam vida. Descubra agora