Helion estava no ponto mais alto dos seus domínios. Um local exuberante, para dizer o mínimo. Sete torres unidas por corredores internos que ligavam andares inferiores e superiores de todas as construções. Na torre central fora construído um pináculo, onde havia uma enorme área livre, segura por um parapeito de pedra-do-sol e topázio. Uma estrutura de ouro puro que se assemelhava a um disco de dimensão impressionante estava erguida no local.
O disco tinha uma função específica. A cada nascer e pôr do sol, nas horas exatas, o disco absorvia toda a luz do astro-rei. Pela noite, a luz absorvida era eliminada por magia, iluminando os corredores das cidades principais, e acendendo os vincos elegantes e retos do palácio de Helion, deixando a Corte Diurna sempre viva, pulsante.A brisa, à despeito da altura, era fresca e suave, e os raios do sol banhavam o Grão-Senhor como uma chuva de fogo. Belo, poderoso e implacável, era assim que Helion se apresentava. Sempre.
Mas estava preocupado. Parecia sentir uma presença terrível, um poder sufocante. Esforçava-se para não mostrar isso à sua Corte, ao seu povo, mas... os olhos dourados oscilavam com os maus presságios.Sabia ele que más notícias vinham à galope. Porém pouco suspeitava que a pior delas poderia tomar forma no meio do seu pináculo, aumentando a força do vento e fazendo sua presença ser sentida em todos os poros.
O Grão-Senhor não se vira para o visitante indesejado. Mantém as mãos atrás do corpo, coberto por um manto branco com bordados em dourado, habilidosamente preso por uma fivela de ouro em formato de Sol. A postura era relaxada, e ele não usava adornos de qualquer tipo. Seu tamanho e sua potência se mostravam sem que ele precisasse mover um músculo.— Precisa aprender a controlar sua aura. — Desdenha Helion, encarando a cidade que se esticava no horizonte. — Ou nunca irá conseguir sua entrada dramática.
Koschei ri. Uma reação pura e leve demais para um deus destrutivo e ancião. A passos vagarosos, põe-se ao lado do Quebrador de Feitiços. Os cabelos avermelhados balançavam com a brisa.
— Você é uma caixa de surpresas, Koschei. — Helion encara o antigo deus por um segundo. — Não entendo ainda como saiu da prisão que meus antepassados o puseram mas...
— Você entende. Apenas não aceita que está acima dos eu conhecimento.
— Acredito que são apenas informações esperando para que eu as descubra. — A voz morosa não perdia a firmeza, e Helion não voltou os olhos dourados para o visitante. — Mesmo sabendo de muitas coisas, o motivo de sua... invasão ainda me é desconhecido.O deus sorri. As garras de um forte tom alaranjado, como lava de um vulcão, raspam o parapeito de pedra-do-sol criando sulcos profundos. Com um som nasalado, se afasta alguns passos, ficando atrás do Grão-Senhor.
— Necessito de sua ajuda.
Helion estava genuinamente chocado.
— Um deus antigo, pedindo a minha ajuda?
— Não dê atenção ao seu ego, Helion. Vim propor uma aliança.Helion ponderou. Era uma negociação, um pacto. Uma aliança com uma potência mais antiga que ele, que seu mundo. Que tantas coisas viventes ou não. Koschei era mais antigo que o solo em que pisava. E o conhecimento que ele armazenava...
— Fale.
O deus sorriu.
— Perdi um artefato de muita estima. Foi ele que ajudou a me libertar da prisão que estava e ajudará-me a retornar para meu verdadeiro mundo. — Os olhos brilham fulgazmente por um segundo. — Mas preciso saber onde está. Preciso sentir sua presença. E você tem a ciência para tal.Ele tinha. Helion cintilou o olhar para o horizonte, onde o sol pintava o território vasto se um dourado mais denso, profundo. Suas mãos alisam um entalhe feito numa das gemas de topázio do parapeito, e ele se volta para o ancião.
— Admito que lhe ajudar a voltar para sua terra natal o quanto antes é tentador. — Ele segura as mãos atrás das costas, afastando-se. — Mas eu considero o preço alto demais.
— Alto?
— Veja, Koschei; eu gosto de bons acordos. E por mais que este tenha um ponto muito bom... — Helion gesticula, numa falsa lamentação — Não creio que seja vantajoso lhe levar para o Caldeirão.O deus não se move. Ele analisou cada milímetro do espaço em que estava. Cada sutil traço do Grão-Senhor. Não estava furioso, não. Estava analisando as probabilidades.
— Entendo.
Era a segunda vez que Helion ficava genuinamente chocado.
— Nenhuma ameaça? Nenhum "Vai se arrepender disto, Helion"?
— É sábio o suficiente para fazer as escolhas mais vantajosas, Quebrador de Feitiços. E também tem a consciência o suficiente de entender o que ficar contra mim significa.
— Ah, aí estão elas.
— Não, meu caro. Não são ameaças. Estou constatando fatos. Há muito não lembro do gosto de almas aflitas e inocentes. Há muito não lembro o gosto de carne e medo em minha boca.Os olhos de Helion incendeiam-se como forjas vivas, num brilho amarelado brutal e primitivo. Num segundo, viu-se segurando Koschei pelo pescoço, fogo amarelo crepitando em sua mão. Um som gutural escapa de sua garganta, enquanto garras esbranquiçadas escapam de seus dedos.
— Não me force a ser um anfitrião ruim, Koschei. Não estou inclinado a lhe ensinar as boas maneiras.
— Que temperamento, Helion. Averso ao seu clássico estoicismo. — O ruivo inspira, e o peito firme como uma placa de aço sobe e desce lentamente. Um sorriso revela as presas gigantescas. — Não é necessário ir para medidas drásticas. Estou de saída.Helion afasta alguns passos, ainda mantendo as garras do lado de fora. Um olhar de dúvida percorre sua face, e o Grão-Senhor volta a assumir uma postura mais calma.
— Por que não atacou?
— Assim como todas as outras perguntas que fez, sabe a resposta. — Koschei verifica se o nariz estava sangrando. Estava. — Tem um belo soco, Helion. Cérebro e músculos.Helion assume uma face de desprezo e abre um portal dourado. Levava para um canto afastado de sua Corte, um terreno que apenas ele sabia a localização.
— Siga por este caminho e desapareça de minha vista. Antes que eu me esforce para fazer esta visita ser desagradável.
— Ah, Helion. Não atrase a guerra. O barulho é proporcional ao silêncio que o precede. — O deus ergue a mão e o portal explode, contra a vontade do Grão-Senhor. — Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadoras as palmas.Antes que houvesse reação, Koschei soca o chão e uma esfera de energia avermelhada o cobre, fazendo o deus sumir. Helion encara o céu, cujas estrelas começavam a despontar. E soube com quem deveria falar. Urgentemente.
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Corte dos Sonhos e Outros Contos
FanficInspirados no mundo ficcional criado por Sarah J. Maas na série Corte de Espinhos e Rosas, esta série de contos retrata momentos passados ou futuros relacionados aos acontecimentos da trilogia original. Certos elementos do quarto livro entrarão nos...