Locomortiva

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Entrei no ônibus sacolejando
Aproveitei a falta das sacolas e fiquei em pé antes que uma velha obesa grávida de muletas e criança de colo atrapalhasse meu cansaço para que ainda mais cansada pudesse descansar. Minhas pernas doíam.
Aproveito o tamanho para abrir a portela de cima para que o vento expulsasse aos afagos um resto do calor.
Posso então contemplar os passageiros.
De dentro e de fora. Não há tanta distinção assim. Afinal nenhuma alma habita os autômatos.
Cabelos presos e oleosos grudados em cabeças que não só olham pra baixo mas que contemplam o fundo.
Amo São Paulo e sua metáfora cara pra vida.

Dê um sinal
Pague
Procure lugar
Alcance
Dê lugar
Finja que dorme
Abra as janelas no calor
Feche no frio e respire cada gota podre de desconhecidos que pingam, espirram, escarram.
Adoeça
Dê sinal
Desça
E por fim, desapareça

Contemple solidão no meio da massa
Sinta-se um porco de abate
Mercadoria de recarga
Todas compradas não no varejo
No atacado
Cabelos armados
Olhos armados
Dedos armados
Corpos não
Os corpos não
Talvez almados
Não tenho certeza
Mas também vazios
Como barco fantasma motorizado
Sem tripulação
Sem vela
Locomorto

Sem ar condicionado
Sem ralo
Sem água encanada
Sem nada
As vezes um pisão no pé
Uma enrabada
Não só no rabo
No ombro, pescoço
Braço
Me desculpe, motorista
Mas o próximo não me desce

Marte é Um Planeta: Vermelho (ou Poesia De Merda...)Onde histórias criam vida. Descubra agora