CAPÍTULO XXVII O Aparecimento de Jorie

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Um ano e meio antes

Kate Moraes 

Observo o quanto as pessoas correm no dia a dia. Atrapalhados com sua vida cheia, sua rotina esfolante, como se fosse a única coisa a ter importância. É irônico pensar que depois da morte nada disso faz diferença. Você não se tornará um ser superior ou terá um cargo de alta patente por ter corrido e trabalhado em toda sua vida.

Para mim tudo parece parado, todo o dia é o mesmo, só muda a dor da desgraça, esta que sinal aumenta exponencialmente. Eu costumava acreditar que quando alguém muito próximo a você morre, um pedaço de você morre, porém isso é um eufemismo. Quando alguém muito próximo a você morre, você morre também.

 Lenta e dolorosamente. 

Na medida em que fui conhecendo Kaíque além do que ele aparenta ser, fiz 5 pontos para superar a morte da Jorie na tentativa de me reerguer.

Ponto 1- Chore até não restar mais nada

Ponto 2- Viva seu luto

Ponto 3- Aproveite esse tempo para se redescobrir

Ponto 4- Fale o que se passa no seu dia a dia. Não necessariamente para alguém, fale para natureza, escreva um diário se quiser, mas fale. Grupo de apoio ajuda muito, pois a sua dor deixa de ser tão importante nem que seja por alguns minutos.

Ponto 5- Honre a pessoa por quem você sofre o luto vivendo por vocês duas. Entretanto, ao fazer um ano que seu mundo ficou mais triste, todos esses passos passam a não existir... Você cai abruptamente... e ninguém vai te avisar!

Hoje é um desses dias, o céu está no mais azul que poderia ser, mas eu estou trancada no quarto sentada na poltrona olhando-o pela janela e usando os episódios de Star Wars como trilha sonora.

O dia passou lento, o céu se pôs, Vênus apareceu a oeste e a noite caiu.

Antigamente as pessoas observaram que aparecia uma estrela de manhã e uma a tarde, então puseram o nome de estrela D'alva e estrela Vésper respectivamente. Hoje se sabe que essas duas estrelas são uma só, que na verdade não é uma estrela é o planeta Vênus. Era normal confundir devido ao seu brilho muito intenso que é oriundo do sol e não dele mesmo. É isso que estou sentindo, como se o meu brilho fosse a oriundo da Marjorie.

A campainha soou retirando-me de minha solidão impronunciável.

1, 2...6.

Não se consegue nem passar o luto em paz. Ninguém me respeita mais nessa casa! Antes mesmo de abrir a porta eu grito:

 _SOME DA MINHA FRE... - Juro que a última coisa que eu esperava ver era um travesti parado na minha porta. Como não fazia ideia do que estava acontecendo permaneci alguns parada e depois do que pareceu uma eternidade fechei a porta. Como se não estivesse acreditado no que havia visto e fosse conferir a veracidade, abri a porta novamente e Kaíque ainda estava lá.

Peruca lilás.

Roupas femininas.

Maquiagem.

_O que você pensa que está fazendo?

_Não era para você dar gritinhos  junto comigo?

_Não. Não mesmo. - Falei olhando-o de cima a baixo tentando analisar onde ele pretendia chegar com tudo aquilo.

_Vai me deixar plantado aqui? - Indagou levantando as sobrancelhas.

Puxei ele para dentro segurando o que deveria ser um casaco da Jorie. O mesmo que ela tanto amava e que estava usando no dia do acidente.

_Estou enganada ou você se vestiu da minha melhor amiga? - Perguntei após alguns minutos de extremo silêncio.

_Não está enganada.

_E onde achou esse casaco?

_A mãe dela doou algumas roupas para igreja local. -Disse tomando um pouco do leite quente que eu deixei para o mesmo na bancada.

_Sim, eu sei disso, mas como você achou essa?

_Sabe Kate, nem todos querem vestir a roupa de uma garota que é suspeita por ter sofrido um assassinato especificamente pela melhor amiga dela!

Gelei por um momento. Já sabia a gravidade da situação, mas não esperava que soasse tão rude  vindo de sua boca o que as pessoas falavam ao meu respeito. De certa forma concordo com as pessoas. Não matei a Jorie diretamente, porém considero o que eu fiz outro tipo de morte. E é ela que me pune todos os dias! Um nó desceu pela minha garganta, senti que as lágrimas iriam brotar e para que isso não acontecesse emendei outra pergunta.

_E o que você acha disso?

_Que você está sofrendo muito para ter de fato matado alguém.

_Amanhã você será assunto em toda cidade, não por estar vestido de mulher, mas principalmente por estar vestido de mulher na casa da assassina.

_Acha que eu não pensei nesse risco? Tenho até uma vaga ideia do que os idosos irão dizer.

_Um deixe me pensar...- fingi estar buscando algo na minha mente- Seria "_O filho do Ex-prefeito Hugo com a bailarina Marisa acabou de se assumir gay!' - Disse imitando uma delas.

_Pois é menina, vi ele andando na rua igual qualquer um, tudo produzido. - Ele seguiu com a brincadeira, adotando o tom e estilo de uma mulher altamente fofoqueira.

_Isso que dá andar com a drogada da filha do empresário Justus. Desde o início sabia que ele nunca deveria ter adotado aquela menina. Um moço tão bom...

_Uhum, quem se mistura com porco farelo come!

E caímos na gargalhada!

_Eu e Jorie não éramos assim... - Confessei depois de cessarmos nosso ataque de riso.

_Assim como?

_Não dávamos gritinhos. Tudo bem que eu era bem mais popular no colégio; mas riamos bastante. É tudo o que sempre me lembro. De sua voz... mas aos poucos ela está sumindo. É como se eu fosse me esquecendo aos poucos e tudo que eu quero é não esquecer! - Caí em plantos, nunca havia conseguido falar da Jorie para ninguém, lágrimas que eu acreditava não existir mais continuavam jorrando. Kaíque secou todas e permaneceu calado até que eu me acalmasse.

_Não vai fazer diferença, porque ela vai estar sempre com você e sua voz acabará sendo a voz dela. Você não precisa de mais. - Queria saber como ele consegue ser tão grato, é um coração tão bom que parece não existir. - O que você precisa hoje é ter uma noite com a Jorie!

_Antes eu preciso consertar essa sua maquiagem.

Foi uma das noites mais incríveis da minha vida! 

Foi uma das noites mais incríveis da minha vida! 

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