As estrelas podem ser perigosas [CONCLUÍDO]

CAPÍTULO XXX Rei do Mate

Dias Atuais

Kate Moraes

Rei do Matte 19h

Kaíque havia pedido uma porção de pães de queijo, dois tipos diferentes de chás, e três sanduíches (1 para viagem, é claro), além de duas bebidas de chocolate belga, tudo de uma vez. Ainda me lembro de quando verifiquei que ele realmente gostava de chá. 

Era uma tarde de agosto, havia um sol que seria escaldante, embora não houvesse uma ventania feroz e amedrontadora. Eu havia faltado o encontro do grupo de apoio para ir à algumas livrarias pesquisar o preço mais em conta da edição dark de Star wars e casualmente encontro ele abruptamente na mesma calçada derrubando um líquido preto em minha blusa. Lembro da confusão que havia em seu rosto, por ter anunciado sua presença da pior forma prevista e da insistência em me pagar uma outra blusa. Me confessou atrapalhadamente que era chá preto com limão e não café e por isso não mancharia a blusa, apesar de no dia seguinte a blusa estar manchada. E foi só esse e somente este motivo que me fez permitir quebrar um pequeno bloco da minha impenetrável muralha para deixa-lo participar passivamente da minha existência inútil, apenas como prova de que eu realmente existi. Já que havia me transformado em invisível naquela época. Afinal qual adolescente aprecia chá, a ponto de toma-lo como água? Procurei no google e não achei ninguém. Então considerei um sinal de que ele realmente era o que demonstrava ser.

_Um ponto para você!

_É o chá, né? Imaginei que não havia como fazer você adorar essa visita senão houvesse ele. - Ele olhou ao redor como se verificasse que havia alguém de especial por perto, aproximou o corpo até a metade da mesa e disse com um sorriso de criança surgindo aos lábios: - Estamos parecendo duas comadres!

Não pude deixar de sorrir, pois isso realmente era verdade. Peguei a xícara e a levantei propondo um brinde.

_Aos velhos e confortáveis tempos!

_Falando de velho- disse interrompendo o segundo gole do chá ainda fervendo - você nunca me contou o porquê gosta tanto de chás.

Boa pergunta!

_Na verdade eu não faço ideia. - Menti. Não porque eu não queria contar, na verdade era por causa da Jorie. Mas se eu tocasse o nome dela me lembraria do enigma e iria arrastar ele para uma situação que eu ainda nem sei se é verídica. Minha primeira tática foi mudar de assunto. - Essa bolota que é o pão de queijo?

_Oi? - disse ele lançando um olhar tenso.

_Pão de queijo... O que é?

_Eu acho que não estou escutando o que você está falando. É como se eu ouvisse a tua voz e meu ouvido estivesse ouvindo sons diferentes do que você está falando. Mas o engraçado é que a leitura labial está coincidindo exatamente com o que meu ouvido está ouvindo.

Por um momento achei que o chá estivesse drogado. Nunca gostei de vir a esses lugares, não se sabe da forma que eles fazem isso. Puxei a xícara e funguei, sugando o cheiro.

Açúcar.

Matte.

Bem, qualquer droga colocada deveria ser sem cheiro e insípida.

_O que você está me ouvindo falar?

_O que é pão de queijo? - perguntou ainda tenso.

_Seu baka! É exatamente isso que estou perguntando.

A boca de Kaíque se formou em um O murcho, como se uma criança do primário estivesse escrito com as mãos trêmulas oriundas do nervosismo.

_Por que esse drama todo?

_Impossível! Como assim você não sabe o que é pão de queijo?

_Nunca me interessei por essas comidas!

_Eu sei. Mas imaginava que você ao menos sabia o que era o que... Sabe o que é pizza né?

_Claro, né!

_Hambúrger?

_Eu não sou tão imbecil ao ponto. - Seus lábios já se abriam para a próxima pergunta. - Dá para parar? Agora você vai ficar perguntando tudo o que é coisa de comer!

_Mas porquê? - perguntou olhando em meus olhos. Era um truque: se eu desviasse o olhar estaria mentindo.

Eu era bem pequena, mas lembro que sempre faltava algo no orfanato. Você pode suspeitar que esse algo era o carinho de um pai ou o colo de uma mãe. No entanto era a comida. Nunca deixou de ter, porém isso não significa que tínhamos tudo em abundância para dividir com várias crianças e adolescentes.

_Nunca fez diferença para mim. As pessoas colocam a gente num orfanato achando que teríamos uma vida mais digna, porém não temos. Nós só conseguimos sobreviver sem ter que escolher entre trabalhar e estudar. O suficiente para não morrermos de fome. E o suficiente era o mais necessário.

A comida paralisou na sua boca e percebi pelo seu olhar que ele não esperava algo tão intenso quanto o peso que minhas palavras carregavam. Por mais pesado que pareça é mais fácil abordar sobre isso do que sobre Jorie.

_Não se sinta culpado. Qual é mesmo a frase que você sempre diz?

_A vida pode ser muito mais bonita se optarmos por viver ela da maneira que dá!

Sorri como quem diz exatamente e isso quebrou a tensão que num piscar de olhos havia tomado conta do ambiente. Isso deu espaço para que Kaíque entrasse em outro assunto que não consegui acompanhar já que o que rondava na minha mente era que o 22 do natt22 poderia ser outra coisa sem ser discagem direta e que eu tinha que procurar quais eram as opções. Quando percebemos era bem tarde e precisávamos ir até o balcão pagar a conta.

_Mas a conta já está paga. - Olhamos um para o outro e vi a pergunta surgindo no olhar do Kaíque, balancei a cabeça em concordância e ele prosseguiu.

_Tem certeza camarada? Acho que alguém deve ter pago errado. Houve algum engano...

O funcionário olhou para nossa cara como se falasse que ele não estava louco.

_Olha Ka, talvez pagamos e não percebemos.- Eu sabia que não tínhamos feito, mas se eu deixasse Kaíque iria abrir uma CPI só para saber o que tinha acontecido. - Se não for o caso, ter dinheiro a mais nunca foi problema para ninguém. - Coloquei minha mão entre seu braço e dei uma leve puxada fazendo-o desistir de vez disso. Não foi uma ideia tão boa, visto que seguimos o caminho sem dar uma palavra sobre o assunto.