Irma Keller – Último ano na universidade
Ouvi atentamente as instruções do treinador Madison. Kinsey estava ao meu lado, de olhos fechados e respirando fundo. O primeiro árbitro estava de marcação com ela desde o começo da partida e todos perceberam.
Estendi minha mão e apertei a dela. Kinsey abriu os olhos e me encarou. Todos achavam que ela era apenas uma provocadora, mas eu vi Kinsey treinar mais que todas as outras. Ela passava horas na academia, fortalecendo seus músculos. Antes de cada jogo, ela fazia uma pesquisa completa sobre o adversário e nos dava detalhes de tudo. Ela estudou uma centena de estratégias.
Kinsey amava o vôlei. Tanto quanto eu. Eu reconhecia isso nela, e apesar dela ainda não ter decidido, eu sabia que ela iria jogar profissionalmente. Ela tinha talento e ambição o suficiente para isso. Eu acreditava nela.
Assim como o treinador Madison.
— Kinsey. – ele chamou. Ela o olhou, cansada. Lola estava do outro lado de Kinsey e pegou sua mão. — Acabe com elas, bonequinha. – ele disse e eu vi o lábio de Kinsey tremer. Ela assentiu e nós ouvimos o apito, indicando que devíamos voltar para quadra.
Bati meu pé, antes de entrar em quadra. Meu tornozelo estava me incomodando desde a metade do primeiro set. Estávamos no final do segundo e o incômodo parecia crescer. Eu tinha me esforçado muito nas últimas semanas.
O juíz apitou. A bola estava com o outro time.
Esse era o nosso segundo Final Four. E o meu último. Eu ia me formar e ir jogar fora do país. Rainbow, Lola, Maysie e Shea ainda tinham mais um ano. Kinsey e Shelley tinham mais dois. Eu queria esse troféu.
Me posicionei entre Rainbow e Kinsey. Shelley, Lola e Maysie estavam no fundo. A garota do outro time sacou, Shelley recebeu e Rainbow correu para levantar. Instintivamente, eu me movi para um ataque central. Kinsey abriu pela saída de rede. A bola veio para mim. O bloqueio se ergueu na minha frente e bati. A bola tocou os dedos da jogadora #18 e foi para fora.
Ponto nosso.
Eu ouvi ela dizer algo a Kinsey e me virei. Os juízes estavam marcando em cima de Kinsey, mas ignoravam as provocações do outro time. Desde o primeiro set elas estavam falando merda para nós e não podíamos retrucar. Maysie quase foi expulsa quando perdeu a cabeça e foi para cima da levantadora quando ela chamou a Kinsey de puta.
Eu estava além de furiosa.
Íamos ganhar esse maldito jogo. E faríamos elas engolirem suas palavras.
∆
O suor escorria pela minha testa. Eu podia sentir a tensão em todas as Heartbreakers. Kinsey estava furiosa. Ela tinha aguentado todas as provocações e a arbitragem em cima dela durante três sets, mas o cartão amarelo injustificado que ela tomou, a colocou no limite. Eu estava tão furiosa quanto ela. Todas nós estávamos.
O placar era de 2x1. Estávamos em desvantagem e esse set iria definir o jogo. Eu não aceitaria perder. Nenhuma de nós aceitaria.
A jogadora do outro time sacou. Maysie se moveu e recebeu perfeitamente, como sempre. Shelly pulou e seus olhos estavam em Rainbow, mas eu sabia que a bola seria minha.
No momento em que Shelley tocou na bola, eu saltei. Rangi os dentes quando senti meu joelho. Tínhamos treinado isso até a exaustão. Eu sabia que funcionaria.
A bola veio diretamente pra mim e eu a acertei com toda minha força. E tudo começou a ficar em câmera lenta.
O bloqueio do outro time pulou atrasado, a líbero se moveu, mas não foi capaz de pegar.
Enquanto eu caia, eu sorri.
Esse set seria nosso. Não iríamos perder.
E foi quando aconteceu.
Eu ainda não entendia direito o quê tinha acontecido ou como tinha acontecido.
Um momento eu estava sorrindo pelo ponto e no seguinte eu estava caída no chão, chorando de dor.
Eu sabia que era ruim. Senti isso em cada osso do meu corpo. Fui retirada de quadra em uma maca.
Eu lembro de ouvir Rainbow gritando com as garotas do outro time, Dani tentava segura-la e Lola quase bateu em uma jogadora. Os gritos de Shea na arquibancada eram bem altos também. Shelly se intrometeu e acalmou as meninas. Mas eu vi o olhar no rosto dela.
Eu senti a raiva latente que estava queimando em cada uma delas e eu soube que aquele jogo era nosso. Eu estando ali ou não, aquele troféu seria nosso novamente.
Horas depois, no hospital eu ouvi a pior notícia da minha vida.
Eu não podia mais jogar. De alguma forma, eu tinha rompido totalmente o ligamento cruzado do meu joelho e sofri um derrame articular.
Bem ali, com poucas palavras, meu sonho foi destruído. Diante dos meus olhos, eu vi tudo pelo que eu tinha lutado tanto, ser levado para longe de mim.
E eu não podia fazer porra nenhuma.
Minha carreira tinha se encerrado antes mesmo de começar.
Foi ali que eu senti como se estivesse caindo de um penhasco pela primeira vez.
Eu me recusei a aceitar isso. Não podia acreditar. Não queria.
Exigi uma segunda opinião. Uma terceira e uma quarta. Ouvi a mesma coisa de todos. Jogar profissionalmente não estava mais no meu futuro.
Comecei a fisioterapia. E em cada sessão, eu me sentia mais e mais vazia. Cada vez que saía de uma sessão, era como se eu estivesse deixando um pedaço de mim para trás.
Lola, Kinsey, Shea, Maysie, Shelly e Rainbow estavam comigo em cada passo do caminho. Mas eu não queria isso. Eu queria ficar sozinha com a minha tristeza. Olhar pra elas fazia eu me sentir inútil.
Tínhamos ganhado o campeonato, mas isso tinha me custado muito.
Eu deveria ter pedido para sair quando senti incômodo no meu joelho, mas eu continuei.
Eu odiei a mim mesma por isso.
Meus pais vieram de Washington DC pra me ver. Mamãe chorou comigo por horas. Papai tentou me consolar, mas não tinha como. Meus sonhos tinham sido destruídos. Eu estava tão vazia.
Não queria pensar nisso. Não queria pensar em como as coisas teriam sido diferentes se eu tivesse saído de quadra.
Levei meses pra aceitar que o vôlei não era mais uma parte permanente da minha vida.
Então me voltei pra algo que eu amava.
Os animais.
Dediquei todo meu tempo livre ao abrigo em que era voluntária. Parei de perguntar as meninas sobre vôlei. Eu até comecei a evita-las.
Me tranquei dentro da minha cabeça, onde eu ainda podia jogar e ignorei o mundo exterior.
O abrigo era tudo o que tinha.
Aqueles pequenos animais quebrados me entendiam e eu entendia eles. Passar o tempo com eles ajudou minha alma quebrada a se colar.
Um pedaço de cada vez. Lentamente.
Eu queria cuidar daqueles animais. Dar um lar a eles. Uma boa vida. Amor.
Queria que eles tivessem algo que me foi negado.
Eles teriam a segunda chance que eu não pude ter.
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Tudo de nós (The Heartbreakers #3)
RomansaIrma Keller era a ponteira do time de vôlei da Kennesaw State. A garota que ia jogar em um time profissional. Aquela que brilhava dentro de quadra. Mas em seu último jogo pela universidade, Irma sofreu uma lesão que destruiu seu joelho e seus sonhos...