Canto.

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Ana Clara Caetano.

Depois do ocorrido na minha cozinha, eu arrumei um travesseiro e uma coberta para a Vitória. Ela vai dormir no sofá! Não é falta de educação, mas comigo ela não dorme! Minha cabana só tem um quarto, que no caso é o meu.

- Suas coisas estão aqui. Boa noite!

- Ana?

Paro e fito ela.

- Você tem medo da Vitória?

Arregalo os olhos.

- Não, quê isso, não tenho não! Só apenas tem uma cama, e não sei se será confortável dividi-la, eu acho que você não gostaria.

Ela concorda e se deita no sofá. Assim que a vejo confortável saio para o meu quarto. Não queria magoa-la, mas sim, eu sentia medo. Não, ela não era normal. Tá que algumas pessoas comem peixe cru. Mas até o jeito dela falar e agir, me faz pensar de outra forma a respeito dela.

Apago a luz do quarto e tento relaxar...

Era madrugada, escuto alguém, na varanda cantando.

Me levanto atordoada. Um pouco ainda de mim estava dormindo. Mas okay, vamos ver o que tá acontecendo.

Assim que ia me aproximando da varanda, ouvia o canto mais próximo e mais intenso. Era como se eu quisesse não ir alí, e ao mesmo tempo ser conduzida até alí.

Ao chegar, vejo Vitória cantando suavemente olhando para o mar. Me aproximo mais perto dela. Ela me olha sem parar com a sua melodia. E eu posso afirmar que por trás daquela doida da cozinha havia uma linda mulher, seus olhos até então não percebido ganhou espaço, vendo um mel esverdeado envolvente. Sua boca suavemente mexiam suavizando a melodia.

- Ana!

Me dei conta que ela havia parado a melodia e eu fiquei com cara de paisagem.

- A Ana está bem?

- Sim a Ana está. O que você estava fazendo?

- Cantando para o mar. Mar é casa de Vitória.

Olho para a imensidão de água.

- Sua voz é linda.

- Ana não podia ouvir canto da Vitória!

Ela olha para o seus pés com vergonha.

- Por que não?

- Sereia não canta pra humano. Ariel proibi, lei da tribo.

Olho pra ela confusa. Sereia? Tribo? Peixe cru!... Okay, exagerei no peixe, mas que negócio é esse de sereia?

- Sereia? Sereias não existe.

- Vitória é uma sereia! Canta para o mar, Vitória é apaixonada pelo mar.

- Você canta só para quem está apaixonada?

- Sim.

- Mas ainda não entendo o motivo de não poder ouvir você cantar.

Ela me fita. Solta uma respiração pesada e olha para o mar.

- Vitória não é nada de Ana. Ouve apenas quem é parte.

- Namorada? Um amor?

Ela volta a me olhar confusa.

- Namorada? O que é namorada? E amor?

- Amor, é carinho, amar é ser mais que amigos, é querer fazer parte da vida um do outro. Ser mais próximo. Namorado é a definição disso.

- Quando duas pessoas se acasalam, elas se tornam namorada?

- Ou namorado. E sim, é quase isso...

Na terra pessoas transam apenas por prazer. Solto um suspiro, não quero assustá-la. Na verdade queria Bárbara aqui, ela que sabe explicar. Eu acho que fiz a coitada entender mal.

- Ana tem amor?

Ainda fita para mim.

- Não.

- Está em época de acasalamento?

- Como assim Vitória?

- No mar, quando uma sereia tem sua primeira transformação, ela é obrigada a achar um macho. Se acasalar, e ter filhos... Regra de Ariel, tribo nossa.

- Transformação?

Fico confusa. Mas ela me diz com total sinceridade, e ela está sóbria. Não me parece mentir. Por mais que não consigo muito acreditar.

- Ter uma calda... Quando uma sereia tem sua primeira calda, ela é considerada uma lider. Tem um combate com a antiga lider, quem ganhar leva o trono, lidera a tribo. Se não, é obrigada a achar um macho, e continuar o ciclo de reprodução da tribo.

Tento digerir.

- Você já teve sua transformação?

Pergunto.

- Não.Não quero ser parte da tribo. Vitória não quer ser líder, não quer um macho. Quer ser da terra. Ser uma sereia solitária.

- E por qual motivo não pode?

- Ariel...

Vejo tristeza em sua voz. Afinal, quem era esse Ariel?

- Quem é o Ariel?

- Macho alfa. Ariel lider da tribo. Escolheu Vitória para ser sua fêmea depois da transformação...

- E você não quer?

- Não! Vitória fugiu de casa.

Por isso que ela estava na praia ontem a noite. Agora fazia um pouco de sentindo.

- E vai pra onde?

- Vitória não sabe.

- Sinto muito, não sei como ajudá-la. Eu sou da terra, não sei seus costumes. Na verdade Vitória, eu ainda estou sem acreditar e perplexa. Não que já ouvi muitas histórias de vocês sereias, mas é que passei minha vida toda a procura de vocês e não encontrei, era fascinada por isso. E não achando eu perdi esperanças. E confirmei que era apenas uma lenda. E nunca mais sairia da minha boca.

- Vitória é real.

- Sim você é.

Faço um carinho em seu rosto e dou um sorriso.

- Amanhã nós vamos falar com o Pedro. O pai dele é pescador, vai nos ajudar.

Ela concorda.

- Vem, aqui fora tá um pouco frio.

Ela olha uma última vez aquela imensidão de água, e me acompanha para dentro de casa..

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