Dez: mentiras

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     Escutou alguém gritar seu nome, mas a cama estava tão macia que não tinha vontade de responder. Devia ser quase meio dia, sempre acordava a esta hora aos domingos. Rolou por si mesma e observou o céu pela janela: nublado.

     – Paula! – era a voz da mãe, no andar inferior.

     – Ãh!

     – Uma hora!

     Pulou para o chão gelado e correu para o banheiro. Olhou no espelho a cara amassada e os longos cabelos pretos, que iam até a cintura. Sempre cogitava cortá-los, mas desistia. Principalmente porque a mãe os adorava e Paula não queria dar mais um motivo para entristecê-la. Lúcia tinha depressão, às vezes alucinava com a época da revolução e o que o pai fazia com a pobre era já era o suficiente. Paula tinha certeza de que ele tinha uma amante, a tal amiga de infância, e só sua mãe caia nesta desculpa.

     Em momentos de insanidade Lúcia contava histórias fantásticas sobre outros mundos que Paula até gostava e achava que a mãe deveria escrever histórias infantis.

     – Não. – Lúcia respondia – Vai que alguém acredita.

     Saiu do chuveiro e vestiu uma calça jeans e uma camiseta vermelha, sua cor preferida.

     – Era óbvio que você iria gostar de vermelho. – A mãe dizia e desconversava quando lhe questionavam. Lúcia era assim, misteriosa.

     A primeira vez que falou de Antaris para a filha foi quando foram ao teatro há alguns anos. Sentaram no camarote, as luzes se apagaram e um homem ruivo disse "nada se atrasa, nada se adia". Lúcia saiu correndo e não voltou mais para sua cadeira. Em casa, mais tarde, chamou Paula num canto:

     – Vou te contar uma coisa, que preciso contar a alguém.

     – Fala mãe.

     – Eu estive num lugar, num outro mundo. Onde muita coisa é diferente e muita coisa é igual. Você também já esteve nesse lugar. Eu vou te contar, mas você não pode contar pra ninguém.

     No início Paula ficava assustada com as histórias, depois, curiosa, começou a questionar acreditando que, se fizesse uma pergunta difícil, uma que confundisse a mãe, acabaria mostrando que era tudo invenção.

     – É outro planeta?

     – Não. É uma outra dimensão.

     – E as pessoas, são como nós?

     – Só que os cabelos são de várias cores.

     – E os olhos? A pele?

     – Ah, não há muita diferença. Mas os platinados são tão lindos com seus cabelos brancos! A Cidade Imperial também é maravilhosa... As paredes das casas são feitas de um material tão estranho! Parece plástico, mas não é. É tão liso, e brilhante, e claro... E a feira é tão animada. E você sabia que todos são vegetarianos?

     Havia uma resposta para tudo: Por que não havia televisão? Como os flutuadores funcionavam? Como eram as viagens de dirigível? Por que ninguém nunca ouvira falar de tais lugares?

     Então Paula desistiu de tentar encontrar uma falha na história e passou a apenas ouvir.

     Naquela tarde de domingo ambas organizavam seus guarda–roupas, quando Lúcia rapidamente pegou uma mochila no fundo de um deles.

     – Nisso não vamos mexer.

     Em seguida se distraiu com uma camisa de tecido transparente e sorriu:

A Dinastia da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora