Um: a garota de cabelos pretos

142 8 27
                                    

     Respirou o ar fresco e sorriu para os dois sóis, pois finalmente era um dia quente na Cidade Imperial. Quando saíra para o educandário pela manhã, o calor ainda estava tímido.

     Os últimos dias haviam passado com céu nublado e temperaturas baixas o que deixava a sensação de frio e de solidão ainda mais intensas no palácio. Desceu da carruagem logo após ultrapassar os portões brancos e correu pelos jardins ressecados até a entrada do palácio e em seguida pelas escadas principais, para seu quarto. Era um cômodo amplo, porém gelado e com poucos móveis: um guarda roupa, uma cama e uma pequena mesa de estudos. Mas as enormes janelas, que forravam duas paredes do chão ao teto compensavam tudo. Apenas durante a noite era necessário acender as luzes, porque durante o dia, qualquer claridade era aproveitada. Dali ela enxergava até a entrada dos jardins e o contorno de algumas construções da cidade. Anandí desejava pintar as paredes do quarto de cores mais alegres e substituir o piso antigo, mas sabia que Antaris precisava de coisas mais importantes, como comida e aquecimento e para isso era necessário não apenas dinheiro, mas mão de obra saudável, coisa em falta nos últimos períodos.

     Pensou em chamar Madican para alguma brincadeira ao invés de fazer a lição que deveria. Ela sabia que o amigo, filho do Conde de Nialon, viria para a Cidade Imperial com o pai naquele dia para alguma reunião cujo assunto ela não se envolvia. Ainda era muito jovem e não precisava se importar com essas coisas que o Conselho resolvia. Caso se importasse, teria que lidar com todas as dificuldades e os problemas que o mundo enfrentava após os terremotos, aqueles que devastaram Antaris e que também lhe tiraram seus pais quando tinha pouco mais de três períodos. Seria muita coisa.

     Ela escolhia os problemas da infância, enquanto podia.

     Tomou um banho na sala anexa, vestiu a primeira saia longa que viu e o top branco de sempre, pois combinava com seus cabelos. Sentou-se com duas caixinhas no colo, escolheu cuidadosamente um par de brinco e depois uma pedra azul para o umbigo. Por fim, trocou as luvas e colocou uma sapatilha amarela.

     Enquanto prendia a cabeleira no alto da cabeça, Lótus entrou agitado no quarto. Ela se abaixou e acariciou o pelo macio, mesclado de marrom e branco.

     – Vem! – chamou o animal e abriu o alçapão ao lado da cama.

     Anandí gostava bem mais de usar as passagens de fuga ao invés das portas e corredores normais. Desceu as escadas caracóis levando o castiçal, com Lótus se enroscando em seus pés e, rindo, abriu a porta que dava para a cozinha.

     – Boa tarde! – sorriu para a governanta de cabelos azuis e pegou um pão recheado de cima de uma das mesas.

     – Isso vai estragar sua refeição!

     Anandí apenas sorriu levantando as sobrancelhas.

     Aquele era o maior cômodo do palácio e o mais quente também. A cozinha possuía muitas mesas e equipamentos culinários com os quais a comida do palácio e de diversos estabelecimentos do império era preparada.

     A princesa gostava particularmente dos momentos do dia em que os empregados estavam atarefados por ali, a agitação a fazia se sentir menos só. Alguns deles executavam suas atividades e mal tinham tempo para sequer olhar para ela, mas não Nita, que era quem havia criado Anandí desde a morte dos imperadores. Ela deu um beijo na cabeça da menina e fez um sinal para que a acompanhasse nos seus afazeres. Foram conversando sobre as novidades do educandário e sobre o dia ensolarado enquanto entravam nos porões.

     – Jadano pediu que tirássemos essas tralhas daqui. Ele pretende fazer uma garagem para os flutuadores e carruagens. Depois quem sabe possamos restaurar a fachada... – ela foi falando e se embrenhando em meio às prateleiras.

A Dinastia da GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora