Capítulo 2

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Gerard

Meu pai não fala nada em todo o caminho para casa. Não é uma grande novidade. Ele nunca fala, apenas garante que você saiba qual a sua opinião sobre algo com apenas um olhar. Quando era criança, isso me aterrorizava. Na adolescência, aprendi a desafiar esse olhar até que ele não surtisse mais nenhum efeito em mim. Não tenho porquê ter medo. Tenho vinte e quatro anos. Sou um adulto. O que ele vai fazer? Gritar? Me bater? Donald nunca foi bom em conflitos.

Mikey nega, mas eu sei que ele ainda tem medo desse olhar. Michael é estourado e não sabe guardar para si as coisas que pensa. Ele nunca ganharia em um jogo de desinteresse com nosso pai. Arrisco olhar para ele pelo retrovisor, seu cabelo loiro escuro está enfiado em uma touca cinza que ele fica puxando as laterais, incapaz de deixar as mãos paradas. Trocamos olhares por um segundo e então eu desvio minha atenção.

Encosto a cabeça contra o vidro da janela e deixo minha mente divagar. Por alguma razão ela volta para o rosto daquele cara. O filho do Sr. Anthony. Se ainda desenhasse, meu primeiro impulso ao chegar em casa seria fazer esboços de todas as partes mais marcantes dele. Costumava fazer muito isso quando ainda estava em New York. Sempre que via alguma pessoa bonita na rua ou algo que me causasse inspiração, corria de volta para o meu dormitório e tentava retratar os melhores traços daquela pessoa. Meu caderno de rascunho estava cheio de desenhos de desconhecidos. Mas eu não desenho mais.

Há uma variedade de coisas que eu já não faço a um certo tempo. Algumas, como o hábito de desenhar, se perderam um pouco antes da morte da minha avó. Eu apenas não tinha tempo para elas ou elas haviam se tornado bobas demais.

Cantar também era algo que havia ficado preso durante um bom tempo no meu passado. Antes de Mikey me arrastar de volta, a última vez que tinha pegado em um microfone havia sido durante um musical no primeiro ano do Ensino Médio — eu interpretei o Peter Pan. E, ainda assim, aceitei entrar na banda. Porque queria ver meu irmão feliz. Eu faria qualquer coisa para ver Michael feliz. Mas agora ele não tinha mais uma banda.

O carro para e eu não espero que o clima fique ainda mais estranho ou que meu pai tenha alguma epifania e resolva exercer seu papel um pouco tarde demais. Apenas salto do veículo e sigo em direção a casa. Mikey está no meu encalço. Passo pela porta encontro minha mãe sentada em uma poltrona na sala. Ao nos ver ela se levanta e vai ao nosso encontro.

— Ah, meus filhos, vocês estão bem? — Mamãe alisa meus cabelos com uma das mãos e usa a outra para se apoiar em Mikey, como se precisasse se certificar de que estávamos ali. — Fiquei tão preocupada quando ouvi sobre o incêndio no Tony's Burger.

— Nós estamos bem, mãe — digo.

— Ninguém se machucou — completa Mikey e eu não sei se ele está dizendo isso para tranquilizar nossa mãe ou apenas para refrescar minha memória.

Meu pai passa por nós e sobe as escadas. Por um segundo acho que ele não vai mais voltar. Penso que talvez ele se tranque em seu escritório para não ter de lidar com a sua família ou algo do tipo. Mas então ele retorna, descendo os degraus de forma determinada e carregando uma mala consigo.

Donald joga a mala aos meus pés e então passa a mão pelos cabelos, empurrando para trás os fios grisalhos.

— Faça as malas — ele rosna. — Você vai voltar para a faculdade.

Meia hora antes eu estava cogitando essa possibilidade. Meia hora antes eu queria fugir, me esconder e dar as costas para todo resto. Mas agora... Sinto um gosto amargo em minha boca.

— Não — digo, firme.

— Isso não é uma sugestão — afirma ele, me queimando com os olhos.

The Kids From YesterdayOnde histórias criam vida. Descubra agora