Capítulo 5

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Ray

Paro a van em frente a porta da loja. Gerard está mastigando a lateral do dedão e seus olhos dançam pelo painel do carro. Respiro fundo porque sei o que está vindo.

— Eu vou acabar ferrando tudo — ele diz.

— Você não vai acabar ferrando nada — intromete-se Mikey, se debruçando entre os dois bancos da frente. Ele provavelmente já está de saco cheio de ter de dividir o seu lugar com uma caixa cheia de sementes de girassol.

— Você não vai acabar ferrando nada porque, se ferrar, eu vou ter de te matar — acrescento, sorrindo e me debruçando sobre ele para puxar a maçaneta e abrir a porta. — Meus pais são amigos do Evans desde a escola, então, por favor, tente não destruir a loja no seu primeiro dia trabalhando nela. Tá bem?

No sábado, depois de acordarmos com uma puta ressaca depois de termos bebido um pouco além da conta com Frank no bar durante a noite anterior, tive de aguentar Gerard choramingando o dia todo sobre não ter um emprego e não poder me ajudar nas contas do apartamento. Então no dia seguinte, porque não aguentava mais ele dentro de casa e também porque não acho que seja saudável para ele passar o dia todo se escondendo do resto do mundo, perguntei aos meus pais se eles sabiam de algum lugar que estivesse contratando. Por sorte, meus pais conhecem muita gente.

O lugar era perfeito para Gerard. A loja do Sr. Evans vendia camisetas de bandas, discos, instrumentos, quadrinhos e DVDs. Não tinha como aquele emprego dar errado.

Mikey puxa a cabeça de Gerard e deposita um beijo estalado na sua têmpora.

— Boa sorte — deseja ele, sorrindo e empurrando os óculos.

— Obrigado — Gerard responde.

Eu estou preocupado com ele. E não é porque acho que ele vá acabar destruindo tudo. Mas sim porque sei que tudo o que Gerard toca dá certo, eu conheço o seu potencial e o fato dele não acreditar em si mesmo enquanto está passando por uma fase ruim é o que tem me destruído sempre que olho para ele.

Gee deixa a van e Mikey passa por cima do câmbio e do meu porta-copos para se sentar no banco da frente. Ele encara a porta da loja por um tempo, puxando a lateral do seu gorro cinza. Fui eu quem deu esse gorro para ele dois anos atrás e Michael o carrega para todo lugar. Toco seu cotovelo.

— Ele vai ficar bem — digo e não sei a quem estou tentando consolar.

— Vai? — Mikey me olha. — Não sei nem mesmo se eu estou bem — confessa ele. — Como vou saber que o meu irmão vai ficar bem?

— Porque as coisas tem de se resolver, Mikey — insisto. — Você não pode acreditar que tudo vá continuar uma merda para sempre. Senão não conseguirá levantar da cama pela manhã algum dia.

Ele assente e encara o painel por alguns segundos. E então me olha. Mikey tem os olhos verdes como Gerard, mas os seus não são cinzentos e tempestuosos. Eles me lembram safiras.

Quando conheci Gerard, Michael tinha apenas oito anos e era o garotinho mais encrenqueiro e cabeça quente que já havia visto. As coisas não mudaram tanto. Ele ainda anda por aí pronto para arrumar briga com quem quer que apareça, mas aprendeu a escolher melhor suas batalhas.

— Eu tenho de ir para a floricultura — informo, virando a chave e acionando o motor. — Quer uma carona até o estúdio?

Mikey trabalha em um estúdio de tatuagem. Gosto de implicar com o fato de que a pele dele não tem nenhum desenho e que, portanto, ele não passa nenhuma credibilidade para os clientes. Ele sempre retruca dizendo que não é o tatuador e que sua única função é marcar horários e varrer o lugar vez ou outra.

— Não vamos abrir hoje — ele diz. — Pensei que eu poderia passar a tarde com você na floricultura. Eu posso ajudar a carregar alguns sacos de fertilizantes ou a vender algumas flores caras.

Eu coro. Porque vamos estar sozinhos. Mas é estupidez, porque já estamos sozinhos. Nós estamos sempre sozinhos. Sou tão amigo de Mikey quanto sou de Gerard.

— Pra mim é um bom plano — sorrio e ligo o rádio.

Mikey também sorri.

— Posso escolher a música? — Ele pede.

— Não — respondo, manobrando a van e saindo da vaga onde estava estacionado.

Mas estou rindo. E Mikey também. E ele escolhe a rádio de qualquer jeito. A vida não precisa ser sempre cinza. E eu gostaria de poder descobrir uma forma de adicionar um pouquinho de cor na de Gerard também.

The Kids From YesterdayOnde histórias criam vida. Descubra agora