Mikey
Tem uma mancha de infiltração no gesso acima do meu balcão no estúdio de tatuagem. Estou girando na minha cadeira e a encarando. Gerard e Frank ficaram completamente obcecados e discutiram pelo que pareceu uma eternidade se ela se parecia ou não com a silhueta do Presidente John F. Kennedy quando vieram com Ray me buscar para ensaiarmos no começo da semana.
Ensaiar. O que fizemos não parecia nem mesmo ter sido apenas um ensaio. Estávamos tão em sincronia e tão certos de que tínhamos de fazer aquilo para valer que acabamos por atingir um ponto que nunca nem mesmo havíamos nos aproximado com a formação anterior da banda. Eu não acreditava em destino. Mas ele deveria ser real porque aquilo — nós quatro em cima de um mesmo palco — apenas parecia... certo.
Completo mais uma volta com a minha cadeira e me deixo viajar. Já quase posso ver o que está a nossa espera. Primeiro vamos esgotar casas de show e então estádios e arenas. As pessoas saberão os nossos nomes e vão gritar nossas músicas de volta. Eu vou deixar New Jersey e vou levar Gerard comigo. Esse estado pode ficar com a sepultura da nossa avó e a carranca do nosso pai para si, eu não os quero. Nós poderíamos ir para a Califórnia como sempre sonhamos quando éramos crianças. Tudo seria perfeito.
— Terra para Mikey — diz uma voz que eu reconheceria até mesmo em outras vidas.
Eu conheci a Lindsey no meu primeiro ano de Ensino Médio. Eu era um esquisitão magrelo e sexualmente confuso que ficava ouvindo música pelos cantos e ela era a garota de quem as outras tinham medo e de quem os garotos ficavam atrás mesmo estando claro que ela era areia demais para o caminhãozinho de qualquer um deles. Ainda assim, Lynz quis ser minha amiga e meu par no baile de boas vindas. Ainda naquele ano ela entrou em uma banda e tentou me arrastar consigo, mas eles não precisavam de dois baixistas.
Um tempo depois ela e Gerard começaram a namorar e tudo parecia no lugar. Nós íamos para Nova York com Ray para visitá-lo nos fins de semana e bebíamos até esquecermos nossos nomes. Depois estacionávamos a van em algum parque e, enquanto Lynz e Gee se pegavam no banco de trás, Ray e eu ficávamos sentados nos balanços conversando e olhando as estrelas. Foi assim que comecei a realmente prestar atenção nele e não o ver somente como o melhor amigo do meu irmão. (Mas nunca tive muita esperança.) (Nós nunca foi uma possibilidade.)
E então minha avó ficou doente e Gerard se afundou completamente na faculdade. Advocacia. Ele nem mesmo gostava de conflitos, mas ainda assim estava se vendendo para aquela vida para agradar nosso pai.
Quando vovó morreu, tudo ruiu de verdade. Gerard se fechou completamente do restante do mundo. Eu nem mesmo sabia a quem ele culpava mais: ao nosso pai ou a si mesmo.
Gee e Lindsey não eram mais um casal e não sei dizer se ao menos ainda são amigos. Mas sei que ele sente a falta dela. Sei que ela ainda gosta dele. Talvez, agora que o meu irmão recuperou parte do brilho dos seus olhos e está disposto a tentar de novo, possamos voltar a ser o que éramos. Eles podem reatar e nós iremos sair juntos depois dos shows. Frank também estaria com agente. Ele e Lindsey certamente se dariam bem. Ambos são muito parecidos.
— A quanto tempo você está aí? — Pergunto, me segurando no balcão para estabilizar a cadeira.
— O suficiente para saber que você não está fazendo o seu trabalho — diz ela, sorrindo.
Não sei de onde veio a fama de durona que Lindsey carrega. Talvez seja das tatuagens e piercings ou das roupas ou até mesmo da sua pose punk. Mas eu sei a verdade. Eu sei que no fundo ela é uma manteiga derretida.
— Tá meio parado por aqui hoje — dou de ombros.
Lindsey puxa uma cadeira e se senta de frente para mim, deslizando os dedos pelos catálogos com fotos de tatuagens.
— Então — começa ela — onde estava a sua mente?
Sorrio.
— Em bilheterias esgotadas — digo. — Nós estamos tentando mais uma vez com a banda.
— Sério?! — Ela grita, espalmando as duas mãos contra os catálogos e olhando em volta em seguida para ter certeza de que não alarmou toda a vizinhança. O sorriso dela é tão grande que ofusca todo o resto da sala. — Michael! Isso é incrível!
— Eu sei! Eu sei!
— Como você convenceu o Gerard?
— A ideia foi dele.
— O que?! — Ela está tão chocada que acho que pode desmaiar a qualquer momento. — Jesus! Eu estou sonhando? Devo estar sonhando.
— Ele estava todo pra baixo e do nada começou a trabalhar em uma música com o Frank — começo a tagarelar — e eu não sei o que aquele anão de jardim fez, mas eu vou agradecer ele para sempre porque agora meu irmão está realmente empenhado nessa história.
— Quem é Frank?
— Nosso novo guitarrista — explico. — Lynz, você precisa conhecê-lo. O que ele faz com uma guitarra chega a ser ridículo de tão bom.
— Deus — ela suspira.
Lindsey está sorrindo. E eu estou sorrindo. Ela segura minha mão e aperta porque não existem palavras pra descrever quão felizes nós dois estamos.
— Levanta — ela ordena, já de pé e me puxando para cima. — Precisamos comemorar.
— Eu estou no meio do expediente — lembro, abrindo os braços como se indicasse todo o lugar.
— Esse lugar está morto, você mesmo disse — recorda ela, ajeitando o cachecol ao redor do pescoço. — Duvido muito que vá aparecer algum metaleiro para ser tatuado dos pés a cabeça durante a sua próxima hora de turno. Vamos, por favor. Você só precisa inventar uma emergência para o seu patrão.
Respiro fundo em protesto mas faço o que ela está pedindo mesmo assim. Felizmente, ninguém questiona quando eu digo que Gerard não está bem e que eu preciso ir até ele. Todos sabem quão problemático é o meu irmão.
Lindsey caminha ao meu lado pelas ruas da cidade. O braço dela está entrelaçado ao meu e ela me usa de apoio quando acha necessário dar alguns pulinhos para se esquentar.
— Vocês já tem um baterista? — Pergunta ela, como se acabasse de se lembrar de algo.
Balanço a cabeça, negando.
— Um cara de uma das bandas antigas do Frank está quebrando um galho pra gente, mas é algo bem provisório — digo. — Ray havia pensado em conversarmos com o James, mas sem chance. A próxima vez que eu ver aquele cara vou me certificar de quebrar o nariz dele.
— Até porque você é super durão — zomba ela e eu mostro a língua de volta. Nós desviamos de algumas crianças correndo na calçada antes que ela volte a falar. — Eu conheço um cara, um baterista de Chicago. Eu o conheci quando passei uma semana na casa dos meus tios. Ele acabou de se mudar para Hoboken. Talvez eu possa falar com ele sobre a banda se vocês quiserem. Ele é bom.
Eu paro de andar.
— Sério?
Ela sorri.
— Sim.
— Isso seria... — Não consigo encontrar as palavras certas. — Seria incrível.
Lindsey aperta suavemente meu braço e alarga seu sorriso. Sinto uma chama crescer no meu peito. Estou tão cheio de esperança e sonhos que poderia facilmente começar a flutuar. Talvez eu realmente comece. Já não vejo mais motivos para manter meus pés atados ao chão.
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The Kids From Yesterday
Fiksi Penggemar"- Fogo! - Gritou uma garota loira que eu já havia visto uma ou duas vezes durante os ensaios. - Fogo? - Eu e Mikey repetimos juntos enquanto ele ajudava Ray a se levantar. E foi aí que eu a vi, uma parede flamejante que estava saindo dos fios de um...