Interlúdio - Andanças Noturnas Nem Sempre Acabam Bem

172 20 5
                                    


Esse capítulo aborda conteúdo sensível

(violência, sugestão de violência e ferimentos físicos)


De alguma forma, ela sabia que fazia tempo desde que sonhara com aquilo. Não que ela tivesse certeza de que estava sonhando, mas o lugar e as circunstâncias eram uma lembrança que, ao retornar, deixava claro o motivo de ela ter tentado esquecê-la.

Lá estava ela perambulando pelos corredores frios, fora de seu expediente, fora de seu uniforme. Os pés cambaleavam úmidos, o cabelo gotejando, as mãos torcendo as mechas em um esforço infrutífero, pois o fluxo não parava; não pararia tão cedo, como também sua camisola não secaria em instantes, mas ela sentia ser seu dever continuar tentando.

Dessa vez não houve nó na garganta; os olhos não pareciam prontos a chorar. Os corredores estavam, como sempre, gélidos, mas o frio não a tocava. No entanto, a pele tremia, os poros à vista, os pelos eriçados como se algo se aproximasse. Ela não ouvia nada (as sombras que passavam por ela aqui e ali não faziam ruído) e chegou a olhar uma ou duas vezes por cima do ombro, mas não avistou ninguém.

Ela seguiu em frente. Mais firme, mais depressa do que costumava, e por isso teve medo. Não parecia estar no controle de seus passos. Os pés obedeciam a algum princípio atrativo que a levava para um lugar ao qual ela não desejava ir, embora não soubesse onde. Tentou parar, tomar fôlego, mas os pés seguiram seu curso. Pareciam estar prontos para correr caso ela fizesse uma tentativa mais vigorosa de pará-los.

O ar começou a ficar abafado; a camisola colada à pele fervia e repuxava em seu corpo; o sangue zumbia nos ouvidos e o caminho não parecia terminar nunca.

Mas terminou.

Havia diante dela uma porta alta. Uma porta que ela conhecia muito bem.

A porta de entrada para a ponte de comando. Não havia nenhum Stormtrooper para guardá-la, e nada indicava que chegaria algum para ocupar o posto. A mão úmida tremeu sobre o painel lateral, como se temesse a possibilidade de ele não obedecer ao comando, mas o receio passou no mesmo instante, pois a porta separou-se em duas, e ela deu um passo para dentro da sala.

Estava de noite. Não se enxergava nada do outro lado do transparaço além do reflexo de tudo o que havia do lado de dentro. Nem mesmo era possível dizer se existia algo do outro lado. Mesas, computadores, painéis e holotelas estavam ativos, seus bipes se espalhando pelos corredores, as luzes azuis e vermelhas piscando de modo ritmado. Mas não havia ninguém que os controlasse.

Daquela vez ela não havia encontrado corredores movimentados, é verdade, mas entrar na ponte e encontrá-la vazia também não a tranquilizava. Cruzou os braços diante do corpo e seguiu por um dos corredores que levavam até o transparaço; a sensação de que a estavam observando retornou ao chegar na metade do caminho, mas ela não ousava olhar para trás ou para os lados a fim de surpreender alguém que pudesse estar escondido nas sombras; logo, tornou-se tão esmagadora que ela teve de diminuir o ritmo. Olhou para o chão e viu o próprio reflexo; foi quando, observando o comprimento risível da camisola, notou quão exposta havia estado durante todo aquele tempo.

E foi quando o viu logo atrás dela.

Ela o reconheceu antes que pudesse ver seu rosto. A figura fez questão de se deixar reconhecer – e de não permitir qualquer reação por parte dela, como aconteceu na primeira vez: antes de conseguir se afastar, gritar ou desferir qualquer golpe, ela se viu presa entre uma mesa e dois braços cobertos pelas mangas de um uniforme de Tenente. O cheiro forte de loção padrão misturada a suor e a sangue a sufocou, e ela começou a sentir o estômago embrulhar; uma mão grande coberta por uma luva de couro se aproximou e fechou os dedos em volta de sua garganta, dedos que queimavam sua pele e a impediam de emitir o som mais baixo; ela tentou dar pontapés, mas a outra mão da figura apertou seu joelho; os dedos pareceram entrar em sua pele e esticar seu tendão; lágrimas escorreram por suas bochechas; logo a mão se afastou e a dor desapareceu, mas ela não sentia mais o joelho.

Millicent - Uma História de Star WarsOnde histórias criam vida. Descubra agora