Interlúdio - Página do Diário de Armitage Hux

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Esta é a primeira página escrita por ele desde a noite de núpcias, a partir da qual seus dias se tornaram tão atarefados que não foi possível encontrar tempo para suas anotações. Entretanto, certos assuntos que ocupavam sua mente naquela noite persistiram, até por fim ele escrever esta nota.

Não consigo deixar de pensar em tudo isso.

Passou-se um mês desde que nos casamos, e Millie se mostrava muito satisfeita com as circunstâncias. Não lhe pareceu difícil adaptar-se à mudança definitiva para este que agora é nosso aposento, como também a construir nele uma nova rotina para além de suas obrigações profissionais. Sobre elas, aliás, ela passou a falar com menos reserva: agora era frequente que tomasse a iniciativa em conversar comigo quando encontrava dificuldades em conciliar seu serviço na ponte com os trabalhos paralelos que lhe designo, sendo mais assertiva e participativa nas decisões relacionadas a esses últimos.

Em todos os aspectos, descobri nela excelentes atributos. É inteligente, ordeira e demonstra prudência em tudo o que faz; ao analisar um caso ou serviço, preocupa-se com as consequências das ações tomadas; se algo não lhe parece certo ou deixa margem para soluções melhores, ela não hesita em fazer perguntas e reunir as informações necessárias a fim de encontrar uma nova alternativa; sua principal preocupação é a conciliação, e ela abomina o confronto. É também muito doce em seus tratos, e uma boa ouvinte. Às vezes, é um tanto obstinada, e ainda há coisas que insiste em guardar para si, mas sei que não age assim para testar minha paciência. É apenas quem ela é.

De minha parte, estava muito contente por ela, e ainda havia muito que desejava fazer por seu bem-estar. Mas algo – uma sensação estranha, que não quero chamar de desconfiança – tem me deixado inquieto, e mesmo incomodado, de alguns dias para cá.

Acontece que, apesar de ter insistido em atribuir a ansiedade dela em nossa primeira noite ao caráter inédito do que faríamos em sua vida, jamais me convenci disso por inteiro, e as respostas dúbias que ela me deu quando lhe perguntei sobre isso apenas aumentaram a estranheza da coisa. Além da normal apreensão que deve acompanhar essas ocasiões na vida de uma moça, ela parecia sentir um tipo estranho de medo e, quando nos separamos, tive a impressão de que ela havia ficado de algum modo aliviada por as coisas terem acabado bem. Mas o que ela poderia esperar que desse tão errado?

Quando me lembro disso, é também inevitável que meu pensamento retorne ao incidente na ponte, tanto tempo atrás. Lembro-me de sempre ter visto a reação dela como explicável e até esperada, visto que Cassius era um homem extremamente desagradável e foi o único responsável pelo que veio a lhe acontecer. Hoje, contudo, penso que deve existir aí mais do que era possível ver na época, e mais do que ela estava disposta a dizer. Millie não parecia apenas indignada com os atos de Cassius em si e com a ignorância de seus colegas: ela estava furiosa e assustada, e agiu não apenas como se quisesse defender sua integridade, mas também a própria vida.

Seu pavor foi confirmado por ela própria tempos depois, na noite em que Cassius figurou em seu pesadelo. Ela foi enfática quanto a sentir culpa pelo que houve, o que é no mínimo curioso, pois jamais revelei a ela o que de fato aconteceu ao Tenente depois que o expulsei da ponte, e lembro de dizer-lhe que estava grato pelo modo como a situação se resolveu. Aquela havia sido a primeira conversa intimista que tivemos antes que ela passasse a viver comigo, e muito poderia ter sido descoberto ali, mas não achei apropriado pressioná-la quando ela não estava em condições de se aprofundar em um assunto tão deprimente.

Nunca mais falamos sobre isso, mas a ideia de que ela não tivesse me contado tudo não me abandonou nem naquele dia, nem depois.

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