Interlúdio - Páginas do Diário de Armitage Hux

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Os acontecimentos descritos aqui são subsequentes ao dia em que Millicent teve seu pesadelo. As páginas foram escritas em dias diferentes, com intervalos variados entre si e, no entanto, indeterminados, dada a ausência de datas nas anotações. Os períodos foram separados com asteriscos para facilitar o entendimento.

Quando recomendei os livros a Millicent, esperava ver sua curiosidade e entusiasmo aumentados, mas não muito além disso. No entanto, o papel da leitura em sua recuperação surpreendeu até a mim, pois não serviu apenas ao propósito de distraí-la dos desconfortos, mas também para aliviar a pressão mental resultante do período afastado de suas funções, bem como das mudanças que vieram com ele.

Millie não se mostrava mais tão ansiosa e tímida quanto no começo. Cuidava de si e utilizava o auxílio dos droides sem as hesitações de antes, e respondia sem dificuldades quando eu me dirigia a ela. Não via mais a si como uma intrusa. Com o tempo, sua fala ficou mais articulada, e ela passou a expressar com confiança suas opiniões e sentimentos a respeito das histórias que lia; e, mesmo quando eu deixava evidente que discordava dela neste ou naquele ponto, ela, que por natureza nunca aprovou discussões, me fazia ver as coisas através de seus olhos, para que, mesmo que eu não passasse a pensar como ela, conseguisse compreendê-la. Ela encontrava alguma dificuldade em relação a cronologias e outros detalhes, mas possuía um talento incomum para descrever e esquadrinhar as personalidades dos envolvidos, em especial se o foco fosse em suas interações sensoriais.

Ela continuou com sua medicação e, ao fim de alguns dias, o cansaço e as dores das quais ela vinha se queixando desapareceram; seu sono passou a ser mais tranquilo, e creio que não teve nenhum pesadelo depois daquele; a febre cessou por completo e tudo indicava que não voltaria. Eu estava mais do que satisfeito com a melhora dela. Também estava contente com sua progressiva proximidade: ela tomava a iniciativa em nossas conversas com cada vez mais frequência, e não declinava quando eu me aproximava e lhe fazia algum carinho, como costumava acontecer quando nos víamos em outros lugares da Base; em vez disso, correspondia sem qualquer traço de constrangimento. Estou certo de que sua nova condição, com uma medida de privacidade que ela jamais conheceu, foi o agente principal dessa mudança.

Foi também graças a essa privacidade que obtive sucesso ao conversar com ela sobre o que tinha em mente não apenas para ela, mas para mim.

***

Na área da Biblioteca há um espaço depois das prateleiras feito de transparaço, uma grande janela de onde se pode enxergar a paisagem exterior. Eu já havia apresentado esse espaço a Millicent, e ela o havia apreciado, embora sua preferência residisse no interior, no local que antecedia as prateleiras.

Foi para essa janela que a conduzi certa manhã, quando por fim lhe fiz a proposta.

Ela estava escolhendo um livro novo em uma das prateleiras quando me aproximei e disse que havia algo sobre o qual precisávamos conversar. É claro, foi impossível dizer isso sem que ela mostrasse o mínimo de agitação: eu não iniciava nenhuma conversa dessa maneira a menos que o assunto fosse urgente. Millie não disse nada; apenas assentiu, afastou as mãos da prateleira e seguiu pelo caminho que indiquei. Sua ansiedade era quase palpável; não podia dizer, também, que a minha não fosse. Mas não lhe adiantei nada sobre o assunto, nem ela me fez qualquer pergunta.

Quando chegamos ao local pretendido, procurei acalmá-la garantindo que não se tratava de qualquer problema em relação à sua pessoa ou algo que tenha feito. Então, beijei-a no alto da cabeça. Quando olhei em seus olhos, vi que parte da ansiedade havia sido substituída por curiosidade, o que era, sem dúvida, melhor.

- Você certamente se lembra do dia em que começamos a trabalhar juntos, não é, Millie?

Ela fez que sim.

- Você disse que estava me oferecendo um lugar novo.

- Sim. E você se saiu muito bem em tudo o que a ensinei. Muito embora eu tenha lhe dito logo no começo que não estava pedindo algo fácil de você.

Millicent sorriu ao ouvir isso.

- Posso dizer que sempre soube que não seria fácil. Mas a dificuldade não faria grande diferença, uma vez que eu quis lhe dizer sim.

Aqui, foi minha vez de sorrir. Se ela tivesse sido educada em outro lugar, faria apenas aquilo a que se sentisse inclinada. Seu mal era estar na Primeira Ordem.

Fiz um carinho em seu rosto.

- E seu sim foi muito apreciado. Mas tenho que dizer que estou para lhe pedir algo tão difícil quanto, ou até mais.

Seus olhos se abriram mais ao ouvir isso.

- Mas o que pode ser tão importante a ponto de se tornar mais difícil do que o trabalho que você me deu?

Era o momento. Não a deixei em suspense por muito tempo. Ignorei meu próprio nervosismo e, com clareza, disse o que pretendia.

- Millie. Quero que continue vivendo aqui... como minha esposa.

A reação de Millicent é algo que não poderei esquecer enquanto viver. Quando ouviu a palavra esposa, seu rosto ficou rubro como o traje da Guarda Pretoriana, e ela cobriu a boca com as mãos; os olhos logo ficaram brilhantes, e se encheram de lágrimas. Ela não conseguia se decidir entre chorar ou sorrir. Como não foi capaz de responder com palavras, passou os braços ao redor de meu pescoço e me trouxe para junto de si. Aqui, obtive a confirmação do que havia imaginado antes: ela se mostrava hesitante em relação aos meus tratos por não estar certa do quanto eu a apreciava; agora que não havia como minha intenção parecer mais clara, ela se via livre, aliviada de suas dúvidas.

Ficamos assim por algum tempo, quando ela finalmente conseguiu falar.

- Como poderia dizer não a isso? – e, diminuindo o tom da voz – Eu amo você.

Não a deixei ver, mas ouvi-la falar sobre seu amor de modo tão direto fez com que meus olhos se enchessem tanto quanto os dela.

Millicent - Uma História de Star WarsOnde histórias criam vida. Descubra agora