9: Que tal um jantar com o diabo?

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Changkyun tinha suas pernas cruzadas, enquanto seu braço esquerdo se apoiava na porta do carro, próximo à janela. Seus orbes encaravam o lado de fora, como se sua atenção estivesse sendo drenada pelos passos apressados de outros, pelas conversas altas ao telefone, e pelas luzes da cidade, ainda que fosse de manhã.

— Por que você não contou para Hoseok antes? — ele indagou. Por estarmos sem conversar há bons minutos dentro do táxi, a voz de Changkyun era grave e abafada.

— Não queria preocupá-lo.

— E o que ele te disse?

Mordi o inferior ao olhar para o lado e ver uma criança com sua mãe, correndo logo na frente da mais velha e parecia contar-lhe boas histórias dado o enorme sorriso. Respirei fundo.

— Nada muito importante — respondi em um tom baixo. Changkyun não disse mais nada, apenas suspirou e, quando o motorista estacionou ao lado do local em que seria a audiência, foi o primeiro a sair.

Acompanhei Changkyun até a avenida, que ele esperava o semáforo tornar-se vermelho para que pudesse atravessar. Seu semblante era sério, Changkyun não olhou uma vez para trás. Isso o fazia parecer ainda mais inalcançável.

Ao entrarmos no prédio, Changkyun foi imediatamente reconhecido e eu cobri a região dos olhos para o caso de alguém conhecer Yoo Kihyun. Quase tropecei duas vezes nos próprios pés, só de pensar que alguém pudesse falar comigo e eu não soubesse o que responder. Changkyun, que antes andava na frente, sempre impérvio, girou os calcanhares e caminhou até mim; meio impaciente e apressado, o advogado me fez andar mais rápido ao me guiar com sua destra em minhas costas. Um toque que me surpreendeu, mas era estranhamente confortável ter a ponta de seus dedos tocando o tecido de minha blusa.

Quando entramos na sala de audiência, ela já havia começado. O promotor apresentava seus argumentos e a ré, uma mulher que beirava seus quarenta anos, estava sentada, ao lado de seu advogado, cabisbaixa. Dei passos para a direita, porém, Changkyun me puxou, nada cauteloso como havia sido minutos antes, para que eu o acompanhasse para a parte esquerda da sala.

— A ré matou cruelmente seu marido na noite de ontem, na própria casa — essa fala do promotor tomou toda minha atenção. Porque fiquei em pé quando Changkyun se sentou, o advogado me puxou para baixo, para que eu me sentasse logo. O dei uma olhadela feia, mas ele pareceu não se importar — e a criança de 11 anos testemunhou tudo.

Olhei para Changkyun, assustado. Eu sabia que o mundo não era lá essas coisas, mas não deixava de ser surpreendido pela falta de humanidade que se alastrava por todo lugar. O promotor mostrou a arma usada para o crime, uma faca de cozinha, e continuou a ressaltar que uma família é o único núcleo que vai se proteger, é em quem se deve confiar de olhos fechados. Aposto que se esse promotor conhecesse meu pai, mudaria de pensamento imediatamente.

Como era o turno do advogado, este se levantou, ajeitou os botões do paletó e suspirou.

— Você vê essas marcas pelo corpo da ré? Não são marcas que se ganham ao simplesmente cair no chão. O marido a agredia todos os dias, e até mesmo teve passagem pela polícia três vezes por apresentar comportamento agressivo — o advogado colocou as mãos nos bolsos da calça social acinzentada e suspirou — imagine você ser uma mulher, casada com um homem que te machuca e maltrata todos os dias? Chega em um ponto que é muito difícil aguentar. Por isso, digo que a ré agiu em legítima defesa.

Turno vai, turno vem, a audiência teve um fim. O juiz avaliou os autos com cautela, ora olhava para o advogado, ora para o promotor. Após um minuto inteiro em silêncio, o juiz decretou que a ré era culpada por seu crime, mas que a pena seria reduzida.

— Conseguiu entender alguma coisa? — Changkyun indagou.

— Muitas palavras difíceis — confessei. O Lim deu uma risadinha e me olhou.

— Lembra de algumas? — assenti — então as pesquise. Busque um exemplo de cada e como podem ser usadas.

— Obrigado por estar me ajudando — murmurei. Changkyun, que antes olhava para a ré, que abraçava seu filho, tornou a me observar.

— Não confunda as coisas — quando franzi o cenho, ele se levantou — eu estou sendo pago, é natural eu ajudar — Changkyun colocou as mãos nos bolsos e caminhou pela fileira de cadeiras até que saísse da que estávamos. Revirei os olhos. Francamente, Changkyun, que coração impermeável.

[...]

Durante o caminho de voltar para a firma, Changkyun me deu exemplos de casos e como eles foram resolvidos. Uns, bem simples, outros, nem tanto. Chegamos ao entardecer, devido ao trânsito em massa, já que era final de expediente para muitos trabalhadores.

— Você tem meu número, qualquer coisa é só... — Changkyun foi interrompido por um grito, que veio da entrada da firma. Acompanhei seu olhar e vi Hoseok, com um sorriso de criança em seus lábios macios. Ele acenava para nós, encostado em seu carro.

Com cuidado, atravessei a avenida e caminhei até o Shin.

— Por que está aqui? — questionei.

— Pensei em te levar para comer naquele restaurante que você gosta — meus orbes brilhavam de felicidade — Changkyun te deu muito trabalho? — o Lim passou por nós, com as mãos nos bolsos e uma expressão de poucos amigos, nos ignorando por completo. Porque eu estava confuso, Hoseok deu uma gargalhada e afagou meus fios — ele é assim mesmo, não se preocupe.

Mordi o interior da bochecha e contornei o carro, sendo possível ver Changkyun se aproximando da entrada da firma.

— Ei, Changkyun! — o gritei. Nesse momento, ele parou de andar e inclinou a cabeça para o lado, me olhando por cima do ombro e esperando que eu prosseguisse — você quer vir com a gente?

Kihyun, você está convidando o próprio satã para uma refeição?

Tudo o que Changkyun fez foi assentir silenciosamente e caminhou de volta para o carro. No segundo em que ele se aproximou e Hoseok o olhou, eu soube que havia cometido o primeiro erro daquele fim de tarde.

A LEI DO AMOR「 Changki 」Onde histórias criam vida. Descubra agora