Um conto de guerra:

181 11 0
                                    

Flashback mode:

O ano era 2001.O governo americano ficou enlouquecido após o atentado ás torres gêmeas em 11 de setembro. A Guerra do Iraque, também referida como Ocupação do Iraque ou Segunda Guerra do Golfo, ou Terceira Guerra do Golfo ou ainda como Operação Liberdade do Iraque (em : Operation Iraqi Freedom), foi um conflito que começou no dia de 20 de março de 2003 com a invasão do Iraque por uma coalizão militar multinacional liderada pelos Estados Unidos. Esta fase do conflito foi encerrada no dia 18 de dezembro de 2011 com a retirada das tropas americanas do território iraquiano após oito anos de ocupação.

O Brasil não participava ativamente da frente de batalha, mas uma força expedicionária foi enviada pra lá. Nossa missão era levar suprimentos para a população carente e ajudar nos cuidados médicos e no que mais fosse necessário. Eu passei 5 anos no Iraque.

Um dia, eu e mais três combatentes estávamos fazendo uma patrulha de jipe pela vizinhança quando fomos explodidos por uma mina. Dois dos rapazes morreram na hora. Eu e um cabo nos ferimos bastante, mas sobrevivemos. Meu ferimento maior, naquela ocasião, foi na parte anterior da coxa. Este corte tinha uns 15 cm e dificultava a minha movimentação,embora não fosse tão profundo. Eu fui ferido por estilhaços da bomba.

Nós fomos capturados por rebeldes xiitas e mantidos como prisioneiros

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Nós fomos capturados por rebeldes xiitas e mantidos como prisioneiros. O ódio deles pelos militares que invadiram e ocuparam o país deles era tão grande que eles não queriam nem saber de onde nós éramos. A única coisa que eles viam é que nós usávamos uniformes.

Então, eles nos deixaram jogados num cômodo imundo, praticamente sem água ou comida. Não entendo até hoje o que eles pretendiam. Não nos mataram, mas também não cuidaram dos nossos ferimentos. Creio que eles queriam que nós tivéssemos uma morte lenta e dolorosa. Delirei de febre e dor por dias, mas não perdi a perna. Não recebi nenhum cuidado médico, mas, milagrosamente, comecei a melhorar.

O cabo Maurício teve um final bem triste. Ele estava mais ferido do que eu e definhou até morrer. Percebi com o tempo que eles eram sádicos. Eles estavam esperando pra ver se eu iria sobreviver pra começarem a me torturar.

Eles queriam informação...O fato de eu não falar o dialeto deles e eles não entenderem nada que eu falava os irritava imensamente.

Eles sempre me queimavam com cigarro e criaram o ritual de me dar 10 chibatadas com um chicote todos os dias. Chegaram a arrancar algumas unhas minhas das mãos e dos pés ao longo do tempo em que me mantiveram com eles. Eles não queriam me matar. Só queriam judiar de mim, me fazer sofrer. Um dia um deles, o mais sádico, quis arrancar um dente meu com um alicate, mas eu não abri a boca. Então eles me espancaram, quebraram meu nariz, me arrebentaram de pancada...Mas eu não cedi. Eles riam bastante quando me viam sentindo dor.

Perdi a noção do tempo. Apanhava todo dia, comia muito mal, não tomava banho, vivia amarrado como se fosse um cachorro numa coleira. Embora eu seja um homem grande e forte e tenha sido treinado, estava muito fraco devido a má alimentação. Tinha tonteiras toda vez que tentava ficar de pé. Pensei em fugir muitas vezes e cheguei a planejar rotas de fuga, mas onde nós estávamos era um cubículo entulhado de homens. A casa sempre estava rodeada de gente. Eu nunca conseguiria me misturar a eles por causa da minha cor e da minha altura. Fraco como estava não conseguiria lutar contra eles corpo a corpo e, pra piorar, eles tinham armas.

Fui desanimando, perdendo a esperança de sair daquele inferno com vida e entrei em depressão. Os maus tratos e as surras diárias estavam quebrando o meu espírito.

Um dia eu ouvi uma movimentação diferente e barulho de veículos se aproximando. Tiros foram trocados e os xiitas tiveram que fugir e se embrenhar nas matas. Mas eles não iriam me levar com eles. Então, atiraram em mim. O tiro pegou no meu joelho e a bala ficou alojada. A última coisa de que me lembro foi que desmaiei de dor.

 A última coisa de que me lembro foi que desmaiei de dor

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Fui levado para um hospital americano. Tive que fazer cirurgia no joelho, muitas sessões dolorosas de fisioterapia, tratamento psicológico...
Por ser loiro e ter olhos azuis, os americanos acharam que eu era um deles. Naquela altura do campeonato, pelos andrajos rotos, imundos e rasgados que cobriam precariamente meu corpo, não dava nem pra saber que uniforme eu usava. Quando eu estava estabilizado e eles viram que eu era brasileiro, me enviaram pra casa. Descobri que eu passei 6 meses como prisioneiro dos xiitas, sendo torturado diariamente.

Esta é a explicação para as minhas muitas cicatrizes, dos meus terrores noturnos e do meu joelho enguiçar de vez em quando.

Por conta de tudo o que houve, o exército fez um acordo comigo de não me enviar mais em missões de guerra fora do país. Como sou engenheiro, trabalho pra eles na minha área e como instrutor dos subordinados a mim dentro da hierarquia militar.
Esta é a razão pela qual consegui me estabilizar em Três Corações. Eles não vão mais me transferir de um lugar pra outro, o que é bom. Agora posso criar raízes.

SoldadoOnde histórias criam vida. Descubra agora