epílogo: disARTer

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Dizem que a arte subside dos sentimentos mais degradáveis. Que quão maior a dor do artista, mais bonita seria a forma com que ele a expressaria.

Namjoon não concordava com isso.

Seus sentimentos mais podres haviam rastejado até sua arte; sim. Mas não era bonito. Aos seus olhos, era só o que sentia. Desde que precisava aprender novas cores, ou aprender a sentir suas cores de novo, era assim que as coisas eram.

Se quarenta dias existiram e não foram suficientes pra voltar à senti-las, mais desse mesmo tempo não faria diferença.

Namjoon estava certo, mas também estava errado. A diferença que aquele tempo fazia não podia ser medida pelo rapaz.

Tanta coisa tinha mudado dentro e fora dele. Por mais que o mesmo Sol acalentasse e alimentasse suas plantas, as folhas caídas dificilmente nasceriam no exato mesmo lugar da irmã.

Com isso, Namjoon sabia que suas cores não surgiriam no mesmo lugar. Porque quão cruel era, vê-lo todos os dias, mais intocável que o Sol? Era assim que suas plantas se sentiam, quando passou tanto tempo longe? O Sol estava bem ali, mas não poderiam usufruir dele.

Viver daquele jeito era como chegar no metrô e não conseguir seu lugar favorito. Como tomar um chá da mesma marca mas que tinha uma nova fórmula agora. Sempre uma surpresa; sempre desagradável. No fim, eram apenas coisas minúsculas do dia a dia que deixavam Namjoon desconfigurado.

Mas sabe, as coisas não vão ser as mesmas pra sempre.

Porque todo dia é um dia diferente e todo dia pode ter alguém novo no metrô. A fórmula antiga do seu chá preferido pode gerar catástrofes ambientais. Seu amor acaba.

Então, mesmo que todos os seus dias tivessem uma nova rotina, cinco quarentenas sem cor depois, Namjoon ainda odiava chá de pêssego. Ás vezes, ainda sonhava com ele também, mas não parecia apenas arte agora.

Havia desfeito o pedestal em que colocara Jimin porque, no fim, ele era só uma pessoa. Alguém com seus próprios problemas e traumas cujo nenhum autor poderia descrever com letras delicadas ou uma apresentação bonita em uma galeria de arte. Era muito mais do que arte e, no entanto, não podia ser avaliada como uma.

Então sim, mesmo que sonhasse com Jimin ás vezes, como efeito residual das cores que um dia escravizaram sua alma, não sentia mais o vermelho.

Ganharia as próprias cores: queria encontrar o amarelo, o roxo ou o verde, até que estivesse pronto pra sentir o vermelho de novo. E esse vermelho nunca teria o mesmo tom so anterior. Essa era a melhor parte: como uma cor podia ter tons diferentes dentro dela. Era a mesma cor mas desencadeada de uma forma completamente diferente, alterando seu nuance.

Sexta-feira à noite, Namjoon com as mãos nos bolsos do sobretudo, voltando do trabalho.

A loja de conveniência de frente pro ponto de ônibus continuava a mesma.

A mesma iluminação clara e odiosa, mas, mesmo assim, caminhou até o local e respondeu a curta reverência quando ouviu o animado: — Seja bem-vindo! Oh, hyung, é você.

Kim caminhou até o caixa depois de escolher dois lanches naturais, pagando pelos dois mas abrindo só um deles.

— Que horas você sai? — questionou Namjoon, vendo o garoto lentamente pegar o outro lanche e abri-lo com timidez. Não era a primeira vez que o mais velho fazia isso, mas Jungkook sempre se surpreendia todas as vezes.

— As 22h, hyung. Foi cansativo hoje?

Namjoon assentiu, sorrindo fraco.

Tinha escolhido uma vida, agora. Mais uma vez era culpa de Taehyung, mas não conseguia reclamar. Namjoon podia trabalhar com equipamentos de verdade agora, e fazer sua música em mais paz do que ficaria no próprio quarto. Fazia música pra ele e fazia música pros outros. Isso era mais do que sequer havia imaginado. E melhor; longe de toda a podridão da Red Lips.

Então estava cansado, tinha tomado seu remédio no trem à seco, e precisava dormir pra acordar cedo e ainda dar uma olhada na loja antes de ir pra sua consulta da psicóloga, mas não se importava.

— Bem, não quero te atrapalhar, hyung. Não precisa me levar em casa hoje. — Jungkook disse, mordendo seu lanche em seguida. Podia fingir, mas estava morto de fome e nem tinha terminado seu dever ainda.

— Você sabe que eu vou.

— Sei...

Jungkook ficou em silêncio por alguns segundos. Poucos, porque ele nunca parava de falar.

— Hyung, mostra aquela música de novo pra mim? Não tem ela na internet mais.

— Que música, Jungkook-ah?

— Blue... aquele nome difícil!

— Você não tá estudando inglês não, é? — pirraçou Namjoon, sabendo que ele ficaria bravo. — Blue Quarantine. Mostro sim, Jungkook, mas você tem que me prometer...

— Que nunca vou deixar de sentir minhas cores. E que vou fugir do azul! Eu sei.

Namjoon bufou, colocando o lanche de lado. Sem pedir a permissão do rapaz, deu a volta no balcão e conectou o celular ao reprodutor de som.

Blue Quarantine começou a tocar.

E em silêncio, deixando a música falar, seus olhos pousaram um no outro. Até que automaticamente, reflexo da estranheza, ambos passaram à encarar a rua vazia.

Nos últimos acordes, Namjoon pode jurar que sentiu um nuance colorido lhe tocar. Era impossível definir qual exatamente era a cor, se era uma mistura ou se eram várias de uma vez, mas ele sentiu.

E então, tudo no seu tempo.

Tudo no seu tempo.

Talvez o tempo existisse mesmo.

🌳 fim 🌳

bluequarantine {minjoon}Onde histórias criam vida. Descubra agora