Capítulo um

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Ofeguei. A sessão diária tinha terminado, pelo menos a de agressões físicas. Meu corpo todo doía. Senti meu rosto aquecer por inteiro, estava prestes a chorar, mas não de tristeza ou fraqueza. Não me leve a mal, estava prestes a chorar de pura raiva. 

- Ah, meninas, ela vai chorar! - as outras atrás de Dália riram enquanto a própria chegou seu rosto junto ao meu. - Aproveita e volta para o esgoto profundo de onde nunca deveria ter saído, rolha de poço.

Corri desse círculo de tortura, queda e coisas desnecessárias. Os azulejos frios e claros do banheiro eram os meus únicos companheiros nos primeiros ataques de raiva.
Bati em cada uma das paredes, imaginando ser aquele grupo de merda e, então, encarei meu reflexo. Meus cabelos estavam uma bagunça, os olhos vermelhos e encharcados e o rosto, inchado e incandescente.
Precisava arrumar isso, logo a recreação acaba e ninguém pode me ver assim.

Retornei à sala pouco depois de tocar o sinal, o capuz do casaco do uniforme causava sombra no meu rosto de modo a disfarçá-lo. Sentei no meu lugar, antes de o professor pisar na sala.

- E você, Elisabeth? Elisabeth? Elisabeth! - a primeira coisa que vi ao despertar foi olhar severo e preocupado atrás dos óculos de lente fina de Agnes, a professora de redação. - Dormindo em sala, Elisabeth? Dessa vez passa, mocinha. Mas, então, o que pretende fazer na faculdade?

- Relações internacionais, professora.

- Escolha interessante, e o que te motiva a isso? 

- Sou apaixonada pelo mundo, assim como seus povos e cultura.

- Certo, quero que escreva uma redação sobre isso. Para o fim do bimestre. E valerá ponto, turma. Metade da prova.

A classe suspirou desanimada em uníssono, detestavam aquela aula e seus deveres. Abaixei a cabeça novamente, ouvindo risadinhas estridentes e abafadas ao fundo.
O sono caminha lentamente em minha direção, uma dimensão dos sonhos já está acariciando meu rosto amassado ... 

TRIIIIM!

Droga de sinal! Abro os olhos, movendo meu material para dentro da mochila, um bocejo atravessa cada músculo meu, trilhando um caminho preguiçoso. Assustei-me com uma proximidade repentina de Agnes, sorrindo mecanicamente para mim. 

- Poderia falar com você, Lisa?

- Claro, professora. Posso ajudar em algo?

- Na verdade, eu é que pergunto. Você nunca dormiu na sala, nem fica tão aérea na minha aula. Está tudo bem, querida? - mediei cada palavra internamente, um bolo se formando e queimando na minha garganta com tudo que vinha caindo há alguns anos. Sorri, empurrando tudo para o fundo da minha mente.

- Sim, está tudo bem. Eu só ... Estou usando o celular demais.

- Certo ...

- Licença, professora. - mirei o chão, concentrando-me em não chorar até que fique fora de sua vista.

- Mas ... Fale comigo se tiver algum problema, estou preocupada, Lisa. 
Apressei o passo, preciso de ar. 

O sol da uma da tarde inunda a rua, aquecendo toda a Valença de forma deslumbrante. Como as calçadas permanecem abarrotadas de pais apressados, hormônios à flor da pele, adolescentes fúteis e planos para mais um fim de semana tão animado quanto qualquer outro.
Toda aquela efervescência temporária era ampliada pelo brilho ofuscante das latarias de carros coloridos parados na porta da escola. Mesmo que seja uma cidade pequena, poucos caminham ou pedalavam até em casa. Sempre optei pelo primeiro, assim como outras pessoas do nono ano B. Tirei o casaco ao virar a primeira esquina, gosto de pegar o sol.

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora