Capítulo cinco

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É estranho estar tão apegada a três pessoas "sem rosto" que conheci há duas noites atrás, mas a conversa estava fluindo tão bem que parecia coisa de outra vida, como se fôssemos amigos desde sempre.

Beatriz ... Diego ... Caio ... Repeti esses nomes diversas vezes enquanto encarava o teto antes de apagar. Parecia que uma corda invisível ligava cada um de nós, com uma força imensurável e indescritível.

Todo o resto sumia quando tagarelávamos sobre coisas idiotas de madrugada e era uma sensação completamente nova para mim.
Amigos ... Abracei meu corpo como se pudesse abraçar essa palavra, essas pessoas. É isso que significa ter amigos?

- Filha? Acorde, filha. O almoço está quase pronto. - não precisei abrir os olhos para saber quem estava ali, movi meus braços para cima de seus ombros, absorvendo seu cheiro característico de maresia e produto de limpeza de eucalipto.

- Pai! Como foi uma reunião?

- Nada demais. Apenas fechei um acordo com uma grande empresa e reencontrei alguns amigos de profissão. Como foi passar tanto tempo com esse chato aqui? - meu outro pai, Caleb, apareceu no quarto, atrás de Thiago, com um sorriso agradável.

- Foi um período árduo, de muitos obstáculos, mas eu resisti. Eu consegui. - fingi estar cansada por algum esforço, arrancando risadas dos dois.

- Certo, certo, eu me rendo. Dois contra um é covardia. - a luz do dia invade o cômodo, refletindo na pele morena do meu pai e dando um ar mais dourado aos cabelos do meu outro pai. Sorrio involuntariamente. - Sem querer pressionar os dois cúmplices, mas a comida está na mesa.

- Vem, vamos, Lisa.

Joguei as cobertas para o lado ao levantar devagar. Era tão bom ter uma casa cheia, principalmente quando o clima é tão leve.
Meus pais foram para a sala de jantar enquanto eu estava no banheiro. 
A água morna do chuveiro correu por minhas curvas de maneira carinhosa, aquela calmaria comum de domingo parece ter se materializado no líquido transparente e remetendo-me à segunda noite consecutiva de amizade.

Ao sair do banho, vesti uma jardineira jeans com uma blusa amarela lisa e uma luva preta sem dedos que me cobre até os cotovelos. O espelho me agrada com minha imagem arrumada de cabelos cor de fogo e ondulados até o queixo, meus olhos verdes são uma ligação minha com Caleb e eu tenho orgulho deles.

É, até que eu sou bonita. 

Almoço sob olhares curiosos e maravilhados dos meus pais, que não perguntam nada do meu bom humor repentino. Quase rio da quantidade de vezes que eles se entreolham meio sem entrar em um consenso sobre quem vai começar com o interrogatório. 

- Tem sobremesa? - perguntei animada. 

- Sim. Tem, sim. Trouxe bombons da outra cidade. - Thiago parece acordar de um transe.

- Vocês não vão almoçar? Ainda temos um Festival de Literatura para ir. - segui para a cozinha, abrindo a geladeira e me deparando com uma caixa de bombons da marca que eu adoro. Arrebatei-a em um instante,  escolhendo aquele com sabor paçoca. Ao retornar à sala, meus pais param de cochichar e fitam-me com um misto de preocupação e confusão nos rostos. 

- Filha, está tudo bem? - quase caio na gargalhada com o questionamento. A voz branda do loiro esconde um toque de apreensão. 

- Sim, está tudo bem. Por quê? 

- Seu comportamento está ... Hum... diferente. - Caleb cruza os braços no peito, desviando seu olhos de esmeraldas para outro canto do chão. Não soube se aquela frase era ou não para eu ouvir. 

- Pensei que gostariam de me ver mais feliz.

- E gostamos. Gostamos muito, Lisa. Mas é que ... 

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora