O sol da tarde banha de maneira onírica o rosto bronzeado do garoto à minha frente, seus cachos pequenos lançam sombras suaves sobre meu rosto, parece fazer longos minutos que ele está com a mão estendida a mim, mas posso ter certeza de que passam apenas alguns segundos.
- Docinho? Está tudo bem? Eu te machuquei? - ainda demoro um pouco para aceitar a ajuda e esse gesto espalha centelhas de dor por meu braço. Acho que o esbarrão foi mais forte do que imaginei e prefiro não demonstrar.
- Não, está tudo bem. Eu só estava distraída. Desculpe te preocupar.
- Não se desculpe. Viu Luzia por aí?
- Ah, não. Eu estava em uma das atrações.
- Certo. É meio difícil achar alguém nessa multidão, não é?
- Sim. Com certeza. Hã... Obrigada por me ajudar a levantar.
- É o mínimo que eu podia fazer.
- Vocês dois só vieram aproveitar o Festival ou tem algo a ver com os bolos?
- Sabe que minha irmã é maluca, não é? Ela teve a ideia de vender fatias dos bolos aqui. E não é que deu certo? Trouxe quinze fatias e vendi tudo!
- Parabéns! Sabia que vocês conseguiriam.
- Bom, vamos parar de falar de trabalho e aproveitar o Festival?
- Mas e sua irmã?
- Sinto que vamos encontra-la a qualquer momento.
Não tenho tempo de responder mais nada, Julian pega em minha mão e sai apressado por entre as tendas.
Algumas atrações eu tenho que ver de novo, porém me recuso a entrar na "Além de linhas". Sei que minhas desculpas não convencem nem um pouco e não me importo com isso, aquela tenda e tudo sobre ela está guardado apenas para mim.
Uma placa pertencente à uma tenda laranja e branca me chama a atenção: "Poesias declamadas ao som do silêncio".
O interior é estonteante: lâmpadas brancas contém bolinhas de papel colorido coladas em sua superfície, dando a impressão de uma grande balada parada. Em um canto mais iluminado, um homem atua dramaticamente com um pedaço de papel na mão.- Eu não entendi essa tenda. - sussurra ele, alto demais para o local completamente quieto.
- Shhhh. Se tem uma poesia para declamar, encene-a. - uma moça que não deve ter mais do que trinta anos repreende Julian, mas ele apenas abafa uma risada gostosa.
- Acho que entendi. - sussurro de volta.
- Na verdade, tenho sim. Vem comigo, docinho?
- O-oi? Me apresentar? Nunca. - e, então, o garoto de cabelos enrolados me lançou a expressão mais profunda e sincera que já vi.
- Minha poesia não faz sentido sem você.
Deixei que ele me levasse, quer dizer, minhas pernas já não me obedeciam. Não sabia se ficava encantada ou assustada, mas foi a coisa mais linda que já me disseram, se eu desconsiderar as palavras de meus pais.
Sendo sincera, não consegui entender nada da encenação dele, no entanto era incrível ter alguém declarando uma poesia para mim.
Só consegui rir daquela situação e essa era a coisa mais comum quando estava com ele e a irmã.Saímos de lá ao terminar a apresentação, meu rosto está queimando de vergonha e estamos tão distraídos dando gargalhadas que quase esbarramos em Luzia.
- Aí está você! Onde raios estava?
- No Festival de Literatura, talvez?
- Engraçadinho! Ah, oi, Lisa. Aproveitando muito?
- Com certeza. - despreocupada, olho o celular e percebo que está quase na hora de ir. - Ai, caramba, eu preciso ir. Foi um prazer encontrá-los aqui e boas vendas!
Caleb vai me matar! Socorro!
Chego ao lugar combinado às pressas, mas apenas Thiago está lá.
Não sei se é pelo que acabou de acontecer ou pela correria, sinto meu corpo inteiro ferver. O que será que Julian quis dizer com aquilo? E qual será sua poesia de fato?
Bom, não tenho muito tempo para refletir sobre, pois meu pai chega sem muita pressa.- Estão esperando há muito tempo?
- Não, acabamos de chegar.
- Ótimo. Lembramos de te dar dinheiro, Lisa?
- Sim, mas não senti muita fome. Só comprei um chá gelado mesmo.
- Certo, vamos andando?
Concordamos com um maneio de cabeça. Eu não queria deixar o Festival sem saber o nome daquele garoto pela segunda vez consecutiva, mas como eu iria explicar isso para meus pais?
Pelo menos eu não desrespeitei a regra de "Não falar com estranhos", nós não nos falamos, literalmente.
O caminho de volta foi repleto de perguntas sobre as atrações que frequentamos, comentei vagamente de ter encontrado os gêmeos e soube que o loiro até chegou a comprar uma fatia sabor baunilha e doce de leite de Luzia.
Eu até prestaria mais atenção à conversa se o anoitecer não estivesse tão belo. Lentamente, o laranja meio dourado que tingia céu e nuvens era substituído por um azul tão escuro que quase se confundia com preto. E as estrelas, ah, as estrelas! Sempre fascinantes! Tão numerosas e minúsculas!
É triste imaginar que algumas delas nem sequer estão vivas...Sou a primeira a ir tomar banho, meus pulsos ardem quando passo o sabonete e desejo uma cicatrização rápida. Afinal, o roçar do tecido das luvas ainda me faz sentir dor.
Visto meu pijama e vasculho os bolsos de minha jardineira para ter certeza de que não esqueci nada por ali.
Repentinamente, meus dedos se encontram com um papel pequeno e bem dobrado. Retiro-o e abro, perdendo o ar poucos segundos depois.Grão de açúcar
Uma neve que queima
Queima a mim em silêncio
E eu apenas admiro
O incêndio todo
Varrer para longe o meu ar
Meu olhar
E o meu mundoCom o coração a mil, reconheço a caligrafia apressada: Julian. Eu não sabia que ele era tão bom nisso, por mais que eu não tenha entendido as metáforas do poema, se é que tem metáforas!
Uma poesia sem rimas e simples, mas lapidada o suficiente para tocar meu coração. Abraço o papel e contenho o impulso de correr até a casa dele. Ao invés disso, corro para a sala de jantar.Naquela noite, o trio também apareceu para fechar o fim de semana com chave de ouro. Por motivos óbvios, ocultei os acontecimentos com os dois garotos, mas passamos longos minutos apenas falando das atrações.
Fiquei um pouco triste ao saber que eles estavam lá e não nos encontramos por puro acaso.
A tenda das "Palavras Vivas" foi a que mais rendeu assunto, todos concordavam que era uma das melhores e até comentaram de uma dupla que estava vendendo fatias de bolo deliciosas.
Nada comentei sobre essa tal ser muito minha amiga e morar no mesmo prédio que eu.
O motivo? Simples! Adoro um bom suspense. E também acho que a privacidade deles deve ser mantida.
Infelizmente, Bia, Diego e Caio tiveram que ir embora mais cedo, já que amanhã tem aula.
Deito na cama, meus olhos miram o teto, lembrando o que significa - para mim - ter aula.
Suspiro e tento sufocar meu desespero, enquanto mergulho no mundo dos sonhos.Por que eu tenho que ir à escola?
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Estrelas sob a janela
Novela JuvenilÀs vezes, as linhas das constelações não são as mais suaves. Art By @gold.en.star.s Início: 18. 03. 2020 Final: 13. 04. 2020 Plágio é crime!