Capítulo dezoito

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Não, não, não. Não é possível que eu estava no mesmo lugar das minhas estrelas e a gente não se encontrou! Praticamente virei a noite pensando nisso, mesmo depois de eles irem embora.

Caramba!

Mas não tinha o que fazer, tinha? Eu não sei como eles são, nunca os reconheceria. E não trocamos os números também.
Tudo proposital, apenas para manter o segredo até a festa.
Eu adoraria tê-los conhecido lá, a noite seria a mais perfeita do mundo!

Como será que Bia é? Loira? Ruiva como eu? De cabelo castanho? Alta? Baixa? Média? E o estilo dela? Não deve parecer nem um pouco com o meu.

E Diego? Será igual a aqueles adolescentes brincalhões dos padrões norte-americanos? E o jeito de se vestir? Será um poste como alguns garotos da sala?

Caio disse que a mãe é psicóloga. Então ele é sempre calmo? Tem um estilo básico? E o cabelo? Enrolado? Liso? Preto? Colorido? 

Meu Deus! Quantas perguntas! E faltam tantos dias para encontrá-los com um monte de provas no meio! Como eu vou conseguir me concentrar? 

- Tenho certeza de que não é Física Ondulatória que está enchendo essa cabeça. - sorri envergonhada, Cily está disponibilizando seu tempo e sua paciência para me ajudar em física e eu não pareço estar ligando muito. - Não precisa ficar constrangida. Tem algum problema te incomodando?

- Não, não. Eu só estava viajando mesmo.

- Seus pensamentos devem ser para lá de interessantes. Pelo menos é o que falam sobre pessoas muito pensativas.

- Então eu sou uma exceção à regra.

- Certo, certo. Mas tem uma matéria cheia de regras esperando por você.

- Você está certa. Desculpe. - resolvi alguns exercícios com o maior nível de concentração que pude. Nunca fui muito boa em exatas, mas acertei três dos cinco que me foram propostos. 

- Você está melhorando, Lisa. Parabéns. Vai se dar muito bem na prova. Apenas se atenta aos sinais, ok? É o único erro seu que persiste.

- Certo, vou me atentar a isso sim. - observo Cily por um momento. Ela é tão bonita, tem uma aura tão pura e divertida, mas também sinto que há muitos segredos por trás de seu sorriso de lábios cor de vinho. Nem parece irmã de Dália. Uma pergunta acende na minha cabeça. - Por que você sacrificou seu domingo para me ensinar física?

- Porque você é minha amiga, e amiga de Luzia e Julian.

- E você e Luzia? Foi um belo beijo. - pela primeira vez, vi Cecília sem sua pose de confiante. Pode ser impressão minha, mas um rubor parece tomar conta de suas bochechas alvas.

- É-é... Hum... Nã-não foi nada. - os materiais escolares parecem sabonetes em suas mãos até que ela respira fundo e repousa tudo na mesa novamente. - Eu gosto de Luzia. Muito. Eu não sei o que ela sente por mim. Aquilo foi no calor do momento. Estou esperando alguma reação por parte dela e eu não quero algo sério, sabe? Talvez só uma amizade colorida.

- Sinceramente, não posso dizer que entendo. Mas não precisa ficar com medo, Luzia não será rude de jeito nenhum. E, bom, se você receber um não, orgulhe-se! Pelo menos você tentou e isso já te torna incrível.

- Obrigada. - eu posso sentir sinceridade em seu sorriso.

- Meninas, o almoço está na mesa. - avisa Caleb, com sua voz grave que enche o quarto. 

Sentamos à mesa depois de uma passada no banheiro para lavar as mãos. A refeição foi bem animada, meus pais perguntaram sobre como nos conhecemos, como foi a festa e como Cily se sente ao completar vinte anos. 

Eu, sinceramente, não faço ideia do que esperar das minhas duas décadas de vida. Talvez eu nem esteja viva até lá.

Por que essa ideia ainda me agrada? Quer dizer, eu tenho amizades incríveis e pais encantadores, então por quê? 
Por que essas tristezas me acometem tão fortes? Por que meus braços ainda estão rabiscados de cicatrizes? É tão involuntário... Tão forte...

Talvez eu devesse aceitar a proposta de Caio e ir a um psicólogo... Mas eu teria que falar com meus pais sobre isso e... Eu não quero trazer mais problemas do que eu já trago. Encaro os rostos sorridentes à mesa e a mesma pergunta que me martela há nos volta a me assombrar: por que Caleb e Thiago me adotaram?

Apoio minha cabeça em uma das mãos, remexendo a comida já sem nenhum apetite. Às veze eu queria ser Cily, ou Luzia. Elas são tão... Melhores!

- Estrelinha? - o loiro colocou preocupação no meu apelido.

- Sim? Eu.

- Animada para o Ensino médio? - questiona a garota ao meu lado.

- Não muito. Eu não gosto muito de grandes mudanças e, bom, eu tenho certeza de que não será como High School Musical.

- Desde quando você é tão pessimista?

- Eu não sou pessimista, pai. Eu sou realista. - levanto-me sem mais nem menos. Arrancando olhares confusos de todos.

Preciso de ar e de espaço. Sigo para meu quarto, fechando a porta atrás de mim e dirigindo-me para a janela.
O azul do céu recebe pinceladas de cinza das nuvens, será uma noite de chuva e isso normalmente me desanima. Será que eles vêm

Toda aquela ansiedade volta a meu corpo até que um questionamento paralisa minha respiração: aquela garota na qual esbarrei a caminho do banheiro... seria... Bia?

Tento lembrar de alguma coisa daquela menina, mas nada emerge... Apenas... Uma cortina de cabelos castanhos. Isso é tão genérico!
Caramba... Faz mais ou menos uma semana que eu conheço o trio e já me aconteceu tanta coisa! Quer dizer, se eu voltar exatamente sete dias atrás, estaria no Festival de Literatura e mal esperava por aquele encontro com o garoto do chá. Por falar nele, como será que ele está?

Observo o movimento reduzido de domingo, como se o asfalto quente fosse me dar alguma resposta. Mas não, ele não iria.

- Eu acho que domingo pede uma trufa sorvete, e você? - levo um susto com Cecília ao meu lado com um pote de trufas coloridas. Seu sorriso é particularmente encantador.

- Acho que pede sim. - pego uma e jogo na boca. Sorvete de morango...

- Está tudo bem? Seu humor mudou tão de repente...

- Hum... Acho que... Hormônios, talvez? - definitivamente, eu sou uma péssima mentirosa.

- Não acho que seja isso, Lisa. Quer conversar sobre alguma coisa?

- Não precisa se preocupar. Eu... - sinto meus olhos arderem só de pensar em terminar a frase. - Estou bem.

- Você quem sabe, mas já te passei meu número. Pode me chamar quando precisar de qualquer coisa. Eu tenho que ir, certo? Consegue continuar sem mim?

- Consigo sim. Obrigada por tudo.

- Não precisa agradecer, amor. - ela beijou minha bochecha e saiu.

Vi a garota dos cabelos cor-de-rosa atravessar o portão e esperar por dez minutos, um carro branco para lá de luxuoso para à sua frente e ela entra sem preocupação.

Naquela noite, eles não vieram, mas chegou uma carta deles para mim falando que não teriam como vir, pois teriam prova assim como eu. Não posso culpá-los e, realmente, começou a chover.

Quer saber? Que se dane.
Naquela noite eu dormi com o frio da lâmina desenhando em vermelho.

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora