A ansiedade se contorcia em minha barriga, nunca imaginei que desejaria tanto uma simples festa de fim de ano. Quer dizer, não gosto de grandes aglomerações, principalmente quando envolve gente da minha faixa etária. Adolescentes são tão desnecessários que eu prefiro manter distância.
Eu não faço ideia de quantas vezes cheguei a ir na festa de fim de ano da minha escola. Acho que só uma vez, no meu primeiro ano lá, apenas. Nunca me interessei por isso e sempre deixei claro para meus pais. Nós só íamos até a escola, pegávamos os resultados e voltávamos para casa. Quer dizer, dependendo das minhas notas, até me levavam para uma lanchonete no outro lado da cidade para comemorar.
Mas, dessa vez, estava tão inquieta que meu foco nos estudos estava prejudicado e olha que isso é difícil! Minha perna se mexe freneticamente e passo as páginas sem ler nada de fato.
- Ok, ok. O que está te deixando tão ansiosa? - Thiago gira em sua cadeira confortável de rodinhas para mim. Seu rosto revelava bom humor e um sorriso tão radiante quanto possível.
- A festa de fim de ano da escola. - eu não preciso especificar qual escola, não é?
- Isso é ótimo, Lisa! Festas são incríveis. Mas você precisa se concentrar nos estudos, não?
- Eu não consigo, pai. Me ajuda? - faço cara de cachorrinho fofo.
- Tudo bem. Troque de roupa, vamos visitar um amigo.
Corri para o quarto, tirando meu short e minha blusa de casa imediatamente. Avisto a roupa perfeita e puxo um cabide com um macaquinho liso verde-água. Ele me veste super bem, fica larguinho, sabe? Conforto é o sobrenome desse look e foi Caleb que me deu de aniversário no ano passado. Deslizo minhas luvas características até meus cotovelos e passo perfume.
Enquanto admiro meu reflexo no meu espelho de corpo inteiro, Thiago adentra o aposento com minha escova de cabelo na mão. Entendo seu intuito sem nenhuma palavra.
Ele senta na cama e eu sento na sua frente. Pelo espelho, encaro meu pai pentear meus cachos ruivos com carinho e delicadeza, eu amo quando ele faz isso. Dá um ar de cumplicidade e amizade, sabe?Depois de prontos, saímos do prédio, mas Thiago se recusa a falar para onde estamos indo.
Não demoramos muitos até parar na frente de uma casa que conheço muito bem: a de Seu Domingos. Sorrio ao ouvir a campainha tocar lá dentro.
Repentinamente, a imagem agradável do senhor viajante despontar do alto da escada de dois degraus.- Bom dia! Que surpresa boa. O que os traz aqui? - ele caminha até o pequeno portãozinho de madeira e abre o trinco. - Entrem, entrem, por favor. Já tomaram café?
- Já sim, Domingos. Viemos por causa dessa menininha ansiosa aqui. - entramos na casa aconchegante e o cheiro de chá quente de hortelã nos acompanha até a sala, onde um bule e quatro xícaras ao seu redor repousam em uma mesa de madeira decorada.
- Aceitam ao menos um chá fresquinho? A hortelã é aqui do meu quintal. Cem por cento orgânico.
- Eu aceito, por favor. - acho que, até aqui, já é bem óbvio que eu gosto de chá. Observo pacientemente minha xícara encher até a metade.
- Afinal, qual é o problema?
- Bom, eu não estou conseguindo estudar por ansiedade. - seus olhos atenciosos estudam cada palavra.
- Então, imaginei que alguém que viajou o mundo todo poderia ensinar um pouquinho das suas experiências. Já que ela adora aprender sobre o mundo. - Thiago explica a ideia que eu não tinha entendido até aquele instante. Na verdade, eu amei a ideia!
- Ah, claro. Seria uma honra compartilhar minha vida com criança tão adorável. Obrigado pela confiança.
- Bom, eu tenho que ir. Preciso trabalhar. Tudo bem deixá-la aqui?
- Tudo ótimo.
- Eu volto para te buscar na hora do almoço, Lisa. Fique bem e se comporte. - ele beija minha testa e sai.
Aprendi sobre o norte do continente africano, seria impossível conhecer a África inteira em poucas horas. Subestimei a quantidade de lugares que Seu Domingos foi capaz de conhecer, ele parece ter contatos no mundo inteiro! Chegamos a ligar para um amigo marroquino que fala inglês com um sotaque carregadíssimo. E ele foi super simpático com a gente.
Raviel é o nome dele, um homem de uns trinta anos, com dois filhinhos pequenos lindos!
Conversamos por, aproximadamente, uma hora com Raviel, que nos falou sobre os assuntos mais sérios - como economia e política - e os mais descontraídos - como pontos turísticos. Falei sobre minha vontade de fazer Relações Internacionais e ele achou incrível! Prometemos ligar mais vezes para conversar. E, de quebra, ainda treinei meu inglês.A campainha ressoou e eu já estava pronta para ir, me despedi de Seu Domingos e saí. Porém não era Thiago que me esperava, era Caleb. Não soube reagir.
- Seu pai pediu para eu passar aqui e te buscar. - ele deve ter percebido a dúvida em meu rosto, pois riu alto. - Não, eu não vou brigar com você. Sei que estava estudando. Eu não sou tão mau assim, Lisa. - o homem bagunça meus cachos abertos e passa o braço por meus ombros, puxando-me para mais perto. Sorri aliviada. - E então? Aprendeu muito?
- Sim! Ah, foi tão incrível! Muito melhor do que qualquer escola!
- É tão bom ver seu sorriso, filha. Você é realmente a nossa estrelinha.
- O-obrigada? - amava quando ele me chamava assim, era uma demonstração de amor tão límpida quanto cristal.
Uma buzina na rua nos chama a atenção e Luzia passa veloz na bicicletas, provavelmente começando as entregas agora. Acenamos para ela e ela retribuiu.
Nunca percebi o quanto as pessoas da minha vida são maravilhosas! Caleb, Thiago, Seu Domingos, Dona Vive, Diego, Caio, Bia, Luzia e... Julian... Até aquele garoto do chá está gravado em minha mente. Tão lindo...Depois do almoço, Caleb voltou ao trabalho e Thiago me surpreendeu com um convite irrecusável: passar a tarde inteira jogando xadrez e batalha naval. Ele disse podiam parecer joguinhos bobos, mas eles me ajudariam na concentração, nos estudos e até na hora de manter a calma.
Bom, não posso mentir: perdi algumas vezes. Na verdade, eu perdi mais do que ganhei. Porém as risadas valeram muito a pena.Além disso tudo, ainda tive a oportunidade de encher os cabelos dourados de meu pais de trancinhas. E ficou uma gracinha!
Caleb achou lindo! E isso era nítido em seu olhar de esmeralda intenso e apaixonado, já que ele não era de falar muito. Sinceramente, eram dois príncipes na minha visão. Dois príncipes para lá dos contos de fadas.A campainha de casa tocou, interrompendo o casal. Fui atender e me deparei com Julian parado ali com um rubor de vergonha nas bochechas. Suspeito que meu pai Caleb o intimide pela sua imagem alta e forte.
- Oi?
- Ah, docinho, ainda bem que foi você que atendeu! Hum, então, eu pensei que você iria lá em casa hoje. Mas como você não foi, eu vim aqui te convidar para uma festa na sexta. Somos amigos da aniversariante, fomos convidados e vamos levar o bolo. Quer dizer, ganhamos um convite extra, então pensei... Pensamos em você. O que acha? - estava paralisada na soleira de minha porta.
- Ela vai sim, fica tranquilo, Julian. - a voz de Thiago apareceu por minhas costas, respondendo por mim.
- Ah, que ótimo. Não treinei meu discurso à toa. - os dois riram com a piada. - Aqui está, docinho. Te vejo na sexta. - ele beijou minha bochecha, cumprimentou meu pai e sumiu.
- De nada, estrelinha. - o tom de meu pai sugeria algo que me deixou ainda mais vermelha.
Está tão na cara assim?
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Estrelas sob a janela
Teen FictionÀs vezes, as linhas das constelações não são as mais suaves. Art By @gold.en.star.s Início: 18. 03. 2020 Final: 13. 04. 2020 Plágio é crime!