Capítulo treze

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- Vejo que a baleia voltou. - Dália me intercepta no banheiro. Meu coração dispara instantaneamente. - Mas esse aqui é o meu território, por mais que ocupe grande parte dele. - detesto sua risada sarcástica e cheia de veneno.

- Dália, por favor, me deixe em paz só por hoje.

- Ah, Elisabeth. Tão ingênua. Eu serei pior do que jamais fui. Esteja preparada, porque dessa vez você será expulsa.

Belo jeito de começar a minha sexta-feira. Não que eu esteja realmente preocupada com isso, minha cabeça está cheia demais com a festa de hoje à noite que ninguém conseguiria estragar isso. Nem ela.
Sentei-me em meu lugar e deixei que as lembranças dos dias de suspensão me deixassem mais do que satisfeita por ter dado aquele tapa.

A sala começou a encher e, sinceramente, essa parte do dia sempre me dava uma pontada de tristeza. Por quê? Porque eu vejo as pessoas entrando e cumprimentando seus amigos, mas não tem ninguém que faça isso comigo. 
Eu, literalmente, não tenho amigos na sala. Sou a aberração da classe. Quem não mexe comigo igual a Dália, apenas ignora tudo que acontece.

Às vezes eu me impressiono com a rapidez que meu humor e minha vibe de pensamentos muda.

- Elisabeth? - assusto-me com o professor Aurélio e seu bigode extremamente volumoso. - Trouxe o exercício de matemática?

- Eu... Hum... - remexo minha mochila e puxo o caderno. Enquanto procuro a página certa, imploro a mim mesma do passado para ter lembrado. Senhor Aurélio não é um dos professores mais tranquilos. - Aqui está.

- Parabéns. Não tem nenhum erro. E foi a única que fez. - abaixei o olhar em vergonha, eu detesto ser o centro das atenções.

- É porque ela não tem amigos para sair no fim de semana.

- E você não tem ponto extra, Suzana. Porque valia e você estava precisando, que eu me lembre. - disparou o homem em um fôlego só.

Um "Uuuuu" geral correu pela classe antes de uma risada coletiva, não imaginei que o professor fosse me defender desse jeito. A garota fecha a cara em uma careta de raiva, mas seu foco é em mim. Eu tenho culpa de ter feito o dever de casa? 

Depois de longas duas aulas de matemática e uma de história, deu a hora do intervalo. Revirando a mochila, percebo que esqueci de trazer lanche e dinheiro. Bufo, mas um barulho de porta me deixa em alerta.
Minha respiração acelera com a ideia de estar presa com aquele grupinho, meus olhos ficam agitados em busca de uma saída. Porém tenho uma onda de alívio quando a mão carinhosa de Agnes repousa em meu ombro.

- Oh, Lisa! Soube que você estava suspensa. O que houve? - ela me abraça sem mais nem menos.

- Não foi nada. Eu... Dei um tapa em Dália.

- E o que ela fez? - essa mísera pergunta fez um efeito inesperado em mim, afinal deu a entender que ela confia na minha palavra. Em mim.

- É que... Não é exatamente um segredo. Meus pais são dois homens e ela zombou disso. Mas está tudo bem, de verdade, não precisa se preocupar.

- Lisa, não precisa passar por isso sozinha se não quiser. Por que não falou com a diretora?

- Dália é sobrinha dela. E eu não queria mais confusão. Foi uma história para lá de estressante. Por favor, não quero que se preocupe com isso.

- Tudo bem, mas estarei de olho, ok? Venha, pegue seu lanche e  venha comigo.

- Eu esqueci meu lanche. Pode ir, eu prefiro ficar sozinha.

- Eu insisto. E você está com sorte, trouxe um pacote extra de biscoito de nata. Você não tem o direito de negar, mocinha.

- Muito obrigada, professora Agnes.

- Não precisa ser tão formal, Lisa. - sorri para seu comentário.

Na verdade, ela é a professora mais jovem da escola. Não deve nem ter trinta anos e soube que ela tem descendência australiana. Agnes tem um cabelo preto bem curto, óculos quadrados de armação preta, um estilo singular e um sorriso sincero. 
Além disso, consigo sentir uma aura de bondade ao redor dela, é extremamente agradável estar em sua presença.
Conversamos mais dos que imaginei, temos muitas coisas em comum, como pedalar e ler. (Jura que uma professora de redação gosta de ler, Lisa?)

O sinal do fim das aulas tocou esperançoso, arrumo minhas coisas e caminho escola afora. Minha intuição avisa que Dália e companhia está bem na minha cola, uma gota de suor gelado escorre pela lateral do meu rosto.
Porém surge minha heroína: Luzia. Ela estava parada na saída, segurando a bicicleta da marca de bolos. Seu olhar estava desesperado procurando por alguém, mas amenizou ao me encontrar.

- Lisa! Quanta gente nessa escola, hein! Demorou para te achar.

- Eu acabei de sair da sala, Lu. Mas o que faz aqui?

- Como assim "o que faço aqui"? Thiago me fez prometer que eu te levaria para comprar ou alugar uma boa roupa de festa para a festa de hoje.

- O-o quê? Não brinca!

- Vamos logo, estamos perdendo tempo demais!

E essa foi a segunda vez no dia que eu não tive o direito de negar alguma coisa. Eu ainda tenho algum direito?
Uns quinze minutos se passaram, viramos na Rua de Setembro e chegamos a um dos lugares mais movimentados de Valença. Essa rua tem um pequeno shopping, diversas lojas de roupa e cafeterias tanto tradicionais quanto modernas. 

- A gente pode comer antes de começar a caçada, não é? Na praça de alimentação tem uma pizza enroladinha que é uma delícia!

- Pizza o quê? Pensei que não quisesse perder tempo. - Luzia é mais animada do que eu, como é possível?

- Pizza enrolada, nunca viu? É uma lanchonete nova que abriu aqui e está fazendo o maior sucesso. Vamos logo antes que forme uma fila muito grande.

- Tudo bem, tudo bem. Só espero que meus pais tenham contado esses gastos extras.

Subimos para o segundo andar, a praça de alimentação estava lotada de estudantes de alguns outros colégios. Por um momento, achei que encontraria alguém daquele trio ou o garoto do chá. Mas apenas fomos a um dos menores e mais cheios estabelecimentos e esperamos uns longos minutos até a nossa vez.

Pedi uma de calabresa de tamanho médio e ela pediu de quatro queijos. Nossos pedidos ficaram prontos em menos tempo do que ficamos na fila.
Fiquei sinceramente impressionada com a criatividade do negócio! A pizza é igual a aquelas tortinhas fritas retangulares, sabe? Só que assada e com um recheio delicioso de queijo, calabresa, molho de tomate e umas especiarias que acentuam o sabor. Quem pensou nisso é um gênio!
Para acompanhar, dividimos uma garrafa pequena de refrigerante.

Como as mesas estão todas ocupadas, andamos pelos corredores animados do lugar. Luzia parece cumprimentar todo mundo que bota o olho, até que um rosto familiar se destaca na multidão.

- Hey, irmã! Hey, docinho!

- Oi, Ju! - exclamamos em um uníssono fofo.

- Vocês demoraram.

- Como assim? - encaro os dois com desconfiança.

- Minha irmã não te contou?

- Surpresa! Pode falar, eu sou uma ótima guardadora de segredos.

Ah, Luzia... Você me paga!

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora