Capítulo nove

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Sim, ele pode. Tirei essa conclusão sozinha. Todo dia, por pior que seja, pode piorar.

Depois que fui chamada na diretoria, tive que presenciar Dália dando um show de vítima! Me chamou de monstro, disse que nada tinha feito contra mim, que eu a ataquei do nada como uma selvagem. Até lágrimas ela foi capaz de derramar para deixar tudo mais real, mais dela.

E eu não pude falar nada! Fui taxada como a errada, afinal, eu não sou louca de falar mal da sobrinha para a tia.

Quer dizer, eu sou uma covarde por isso. E eu não queria ser.
Perdi metade das aulas do dia e, bom, levei uma suspensão de três dias por algo que fiz em legítima defesa.

Meu pai Thiago foi chamado, recebeu a notícia e chegou a demonstrar surpresa, mas pude sentir que ele não acreditava em uma palavra sequer da diretora.

- Você o quê, Elisabeth?

- Ela...

- Não, não, não, Thiago. Eu quero que ela fale. O que foi que você fez, Elisabeth?

- Eu... Dei um tapa em uma aluna.

- E não uma aluna qualquer, não é? Na sobrinha da diretora! Que modos são esses? Nós te ensinamos isso?

- Não, pai. É que...

- É que o quê? Espero que tenha uma boa desculpa. - eu queria realmente ter, mas não sou boa nisso. Então respirei fundo e mandei a verdade.

- Ela falou de vocês. Disse que é nojento vocês estarem juntos. Me desculpa, mas foi errado? - meus olhos ardem em lágrimas que se acumulam e embaçam minha visão.

O olhar crítico de Caleb se converte em preocupado em questão de segundos. Sinto seus braços envolverem meu corpo de maneira mais terna que seus músculos rígidos pelo treinamento permitem.
Thiago o acompanha sem hesitar e eu não seguro aquele bolo para mim. Eles não sabem por quantas coisas estou chorando, não quero que saibam. Pelo menos, não agora. Mas quero o apoio, quero sentir que não estou sozinha, sentir que posso ser amada apesar de ser... Eu.

- Olha, minha estrela, eu sei que fez isso por nossa causa, mas...

- Mas não precisa, certo? Preferimos que você apenas ignore. - Thiago toma o discurso de Caleb, já que ele sempre teve mais jeito para falar comigo.

- Por quê?

- Porque nem todos nós entendem. Nem todos entendem você. - quis responder, mas já não tinha forças.

Nem todos entendem você

Não saí o resto do dia, apesar de ter um motivo, eu recebi um castigo.
Tiro minha lâmina de seu esconderijo e não resisto em passá-la por meus pulsos. Meu choro mistura-se aos filetes de sangue que escorrem.
Eu só queria dar orgulho. Um orgulho verdadeiro. Só queria ser como elas: magras, lindas e, de quebra, não problemáticas.
Odeio-me por isso e odeio-me por muitas coisas mais. Eu quero parar. Por que eu não paro?

- Filha? O jantar está na mesa.

- Eu estou muito cansada. Vou dormir logo.

- Então abra a porta, quero te desejar uma boa noite direito.

- Não, pai. Me deixe sozinha, por favor.

- Oh, Lisa... Eu só... Só... - mas Thiago não terminou a frase, apenas saiu. Dói fazer isso, não quero que ele interprete errado, eu só não posso deixar que eles saibam.

Limpo cuidadosamente minha lâmina, tornando a escondê-la. O álcool faz meus antebraços inteiros arderem e eu já não faço mais caretas de dor. Até os músculos de meu rosto estão exaustos.
Trato de tirar todo e qualquer resíduo de sangue do cômodo e permito que me sinta orgulhosa de ter arrumado tudo sem acender a luz do quarto.
Enterro-me nas cobertas, pegando no sono mais rápido do que o de costume.

- Princesa? Cinderela?

- Lisa?

Por um momento, penso seriamente em não responder, fingir estar dormindo. Meu dia foi péssimo o suficiente.
Entretanto, meu peito se aquece com a atitude e a insistência deles. Querem me ver, vieram aqui para isso.
E eu preciso conversar, por mais que seja para distrair. Eu preciso de amigos. Todos precisam de amigos.

- Oi, estou aqui. Boa noite.

- Boa noite. - eles respondem em uníssono.

- Lisa, se estivermos atrapalhando, pode falar. Cuidaremos para nunca mais voltarmos. - Caio discursa com uma carga pesada de sinceridade na voz. - Não queremos ser um obstáculo para você.

Obstáculo? Para mim? Estão muito equivocados. Não fazem ideia que meu próprio obstáculo sou eu mesma. Quase rio de pura ironia ao ouvir isso, contenho-me, eles também não podem saber de nada ainda.

- Podem ficar tranquilos. Não me atrapalham em nada. Na verdade, me ajudam e muito.

- Isso é bom. Como passou o dia? - o tom de voz de Diego parece um pouco afetado, levantando uma pontada de preocupação da minha parte.

- Bem. Muito bem. E vocês?

- Ah, chatice de escola. E sem Festival para nos distrair. Valença é meio parada demais.

- Ha! A escola foi chata para você, que perdeu a partida de queimada para os meninos.

- O Diego tem razão. Ela ficou com a maior cara de tacho, Lisa. Tinha que ver! - não resisti ao trio e me deixei levar pela risada.

- Você nem jogou, Caio! Só ficou nos seus livros virtuais a educação física inteira!

- Para de arrumar desculpa, Bia. Seu time perdeu, o Caio só iria garantir a vitória ainda mais.

- Parem, vocês dois, ou eu juro que cada tênis meu vai voar na cara de cada um.

Não pude deixar de rir, eles estão animando o meu dia com certeza. Ouvi as risadas deles em seguida, tão animadas...
Durante aqueles minutos, não existiam problemas, não existia tristeza e nem os cortes em meus braços. Tudo se resumia ao sorriso mais sincero, a gargalhada mais espontânea, a definição mais bruta de "flor do dia".

Deitei mais leve naquela noite, eles pareciam amigos de longa data, uma conexão que nunca senti antes. Nem quando Dália era minha melhor amiga... Balancei a cabeça e me impressionei com a facilidade de esquecer aquele nome.
Encarei minha janela, agora aberta, com certo carinho. É como sonhar acordada. Sonhar... Há quanto tempo eu não tenho um sonho? Um sonho de verdade, sabe? Algo bom. Algo melhor do que pesadelos e pesadelos sobre meu peso, meus pensamentos, meus pais e meus problemas.

E, pensando melhor, quando foi que algo tão simples, tão comum como uma janela virou um mundo completamente diferente do meu? Alguma coisa tão importante.
Olhando para o céu escuro e pontilhado de estrelas, já sozinha e com a brisa noturna refrescando o quarto inteiro, tive certeza de que eu era a noite. Caio, Bia e Diego? Eram as minhas estrelas, bem abaixo da minha janela.

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora