Capítulo vinte e três

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- Boa tarde, senhorita. Desculpe acordá-la, mas precisa comer. - acordo ainda tonta com o enfermeiro em meu quarto. Seu ar agradável me faz sorrir e eu devoro a comida colorida e quentinha. - Seu estado de saúde é estável. Poderá sair ainda hoje.

- Ah, muito obrigada. Já não sinto quase nenhuma dor.

- Muito bom. Receitamos um remédio para evitar inflamações ou infecções. Lembre-se de manter tudo bem higienizado. Há um remédio contra dor também. - ele sorriu, levantou da cadeira ao lado da maca e ameaçou, mas parou na porta e me olhou por cima dos ombros. - Você deve ser uma garota fantástica. Não saíram daqui da frente desde que chegou na madrugada de sábado. Você nasceu de novo, menina.

Não saíram daqui da frente desde que chegou na madrugada de sábado.

De quem ele está falando exatamente?

Bom, não tenho muito tempo para pensar na resposta, pois Caleb e Thiago entram com largas expressões de felicidade.

- Jogue essas cobertas para cima, estrelinha. Está na hora de sair desse lugar. Você tem uma formatura para se aprontar.

- Não, tenho que resolver as coisas com Dália antes.

- Mas, filha...

- Não irei à festa sem resolver tudo antes. - disse enquanto me levantava e andava cambaleante ao lado deles.

- Tudo bem. Só que iremos com você. - na minha genuína inocência, achei que estivessem falando apenas deles dois. Não... Não eram só eles...

Bia, Caio, Diego, Cily, Julian e Luzia. Todos ali, somente para mim e por mim. Vi seus olhares se iluminarem um a um. Eu não estava tão forte para correr, mas eles fizeram isso por mim.
Correram até mim em um abraço coletivo.

E resolvemos ir à escola a pé, para termos tempo de conversar sobre tudo de bom. Ainda não queria entrar no assunto de sábado.
Meus pais ligaram para a diretora, avisando sobre a situação e então chegamos. O carro de Dália já estava parado lá.

Tive que respirar fundo para entrar novamente naquele lugar. Dali, avancei apenas com meus responsáveis.

A sala da diretora estava bem cheia: Dália, Suzana, Larissa e Aimee. Além de seus pais. O falatório era atordoante, exclamações impacientes e até afirmações de inocência. Estranhamente, minha antiga amiga estava quieta e de cabeça baixa. Podia  ver com nitidez que algumas meninas tinham saído do salão de beleza.

Porém todos fizeram silêncio quando entramos.

- Finalmente poderemos começar a reunião. Denúncias anônimas disseram que esse grupo praticava bullying com a aluna Elisabeth.

- Vocês têm provas? Não? Então pronto. Não fizeram nada, deve ter sido um trote.

Toda aquela barulheira infernal retornou, talvez tenha sido uma péssima ideia. Quem fez as denúncias? Pensei que iria acabar assim, que todos iriam para suas casas e esqueceriam tudo.
Mas estava enganada, de novo.

- É verdade! - Dália se pronunciou pela primeira vez em um grito para lá de alto.

- O que disse?

- É verdade. Tudo. Nós fazíamos bullying com Elisabeth. Por causa de seus pais, por ser adotada, por ser gorda. Chegamos a agredí-la algumas vezes. Pelo amor, nós armamos para que ela fosse expulsa, porque eu fiquei com raiva. Minha irmã preferia ela a mim. A suspensão também não foi justa. Se não acreditarem, temos um grupo no celular só para isso. Todas essas coisas tinham motivações como ela ser gorda, adotada e os pais dela serem... Eles. - a garota recuperou o fôlego, encarando cada um presente na sala. Seu olhar não é fragilizado ou emotivo, é frio como uma pedra de gelo. - Olha, se vocês conseguem voltar tranquilamente para suas casas depois de quase causarem a perda de uma pessoa, tudo bem. Mas eu não. E não estou falando isso porque é Elisabeth. Estou falando isso porque é uma pessoa. E como essa pessoa disse: "palavras não são nada sem ações".

Vozes por cima de vozes, tudo começa de novo, as meninas se revoltam contra Dália e eu estou ali no meio sem reação.
Quer dizer, o que eu posso fazer? Ela era a última pessoa que eu imaginei que me salvaria. Os pais tentam acalmar as filhas, mas parece tudo em vão e eles só ajudam a formar uma teia de confusão. Esperei alguém fazer alguma coisa para silenciar aquele alvoroço até que eu lembrei da noite da festa, a noite em que decidi que iria agir.

Então... Por que não agora?

- Parem! - levanto a voz como nunca levantei antes na vida. Na verdade, nunca precisei gritar muito. - Será que vocês podem ficar quietos por um minuto? - e não é que funciona?

- Obrigada, Elisabeth. Agora que temos os fatos aqui, podemos chegar a uma punição às verdadeiras culpadas. E você, senhorita Lins, teve sua expulsão cancelada. - afirmo com a cabeça enquanto a mulher limpa a garganta. - Agora vocês, meninas... As ações aqui ditas são punidas com expulsão das quatro. 

- Elas... perderiam o ano, senhora? - perguntou o pai de uma delas.

- Infelizmente sim, e não poderiam comparecer à formatura. - todas estavam se entreolhando preocupadas.

- Mas e tudo que pagamos pela formatura? - uma mãe investe irritada contra a senhora atrás da mesa.

- Seria devolvido a vocês. 

Um clima tenso e pesado desce dentro das quatro paredes, sussurros confusos se espalham como o chacoalho de cascavel. Meu ataque de ansiedade retorna através do meu bater de perna, antes estava insegura com o barulho e, agora, é com o silêncio.
Talvez eu me arrependa disso, mas a vida é assim, não é? 

- Não acho... Que elas deveriam ser expulsas. Quer dizer, elas já fecharam o ano, já terminaram as provas. Não tem como mudar a punição?

- Além de pagar suas despesas médicas e tratamento psicológico por tempo a ser discutido? - questiona a diretora.

- Isso é o mínimo que podemos fazer. - pronuncia Thibétio, o pai de Dália. - Você está sem celular e proibida de sair durante as férias. - os outros passaram a exigência adiante. - Além disso, estará encarregada de limpar o quintal e o jardim.

- Seria pedir demais que tivesse uma apresentação sobre bullying no primeiro dia do primeiro ano? Quer dizer, seria um dever de casa para as férias e eu me prontifico para participar também, afinal eu também estou na situação. - um a um, todos concordaram prontamente ainda repreendendo suas respectivas filhas.

- Bom, então encerramos essa reunião aqui.

As meninas passariam reto por mim se seus responsáveis não exigissem respeito e educação, mas eles que acabaram se desculpando e agradecendo. Dália foi a única que olhou em meus olhos antes de manear com a cabeça e retirar-se.

- Lisa, nós nem sabemos onde esconder nossos rostos! Perdoe-nos por nossa filha. Até percebemos quando ela, do nada, parou de falar sobre você e te levar lá em casa, mas não suspeitávamos que fosse isso! Não sabemos o motivo de ter feito isso, mas muito obrigada, é uma atitude de uma amiga de verdade.

- Senhor e senhora Tevez, queiram me desculpar, mas... Talvez não seja possível eu voltar a ser amiga de Dália, espero que entendam. E o que eu fiz, bom, faria por qualquer um. Não é justo perder o ano no dia da formatura.

- Nós entendemos, Lisa. Nós vamos garantir que ela aprenda direito dessa vez. Melhoras. - eles me abraçaram com sinceridade e depois se dirigiram aos meus pais. - Parabéns pela menina exemplar que tiveram. Queríamos que nossa filha fosse tão bondosa quanto Lisa. Nossas sinceras desculpas.

- Se ela disse que está tudo bem para ela, então está tudo bem para nós. - quando fico a sós com Caleb e Thiago, eles se ajoelham na minha frente com feições iluminadas. - Temos muito orgulho de você, estrelinha.

- Não quero que comecem a chorar de novo, temos uma formatura para ir hoje.

Estrelas sob a janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora