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— Anna?

Meu corpo era chacoalhado.

— Anna? O que aconteceu?! — a voz era de desespero.

Me sentia tonta.

— Tudo culpa desse seu celular! Eu falo que faz mal, mas você não me escuta — barulho de cortinas se abrindo podia ser ouvido — É o dia inteiro nesse lixo. Nem para ver a família você faz mais.

Meus olhos se abriam lentamente. Meu corpo estava no chão, jogado. Podia sentir o frio encostando nas minhas costas. Uma música de fundo tocava. Era Beatles. Eu estava em meu quarto de novo.

— ANNA!

Minha mãe me puxava, tentando me colocar de pé. Minhas pernas estavam bambas.

— Mãe? — disse, ainda confusa.

— Olha! Ela fala!

Olhei ao redor. Não havia mudado nada. O meu quarto era o mesmo de antes, nenhuma mudança. Nada.

Me beliscava, para ver se eu acordava desse possível sonho. Nada. Minha pele começou a sangrar, marcas de unha podiam ser vistas.

"Não, não, não, não. Não é possível. NÃO. Cadê Paul? John? George? Ringo? Brian?"

Comecei a chorar de desespero. Minha mãe notou.

— Ahh, filha... Tá tudo bem? — ela colocou suas mãos em meus ombros, a raiva em sua voz tinha sumido — Aconteceu alguma coisa?

Chorei mais forte, lágrimas não paravam de cair. Cobri a minha cara com as mãos. Eu gemia de dor. Uma dor insuportável. Uma dor de ter tudo mas não ter nada. Uma dor de desânimo. Doía.

— Anna, o que aconteceu, meu bem? — ela falou preocupada.

A abracei.

— Eu te amo — colocava a minha cabeça entre os seus peitos, minhas lágrimas sujavam a blusa de lã vermelha que ela usava.

Ela me abraçou de volta. Não sei se estava feliz ou triste. Claro que a saudade dela me matava a cada dia, mas eu tinha os meninos pelos menos, eles eram quem me animavam o dia.

Agora estou de volta, mas quem iria me animar? Minhas amigas não estavam nem aí para mim, meu pai tendo uma vida perfeita sem mim e a minha mãe bom, ocupada demais para sequer perguntar como foi o meu dia.

— Também te amo, filha — ela me abraçava de volta — Quer falar sobre iss-

Seu telefone tocou, nos interrompendo. Ela imediatamente desfez o abraço e saiu do quarto com o celular já na orelha, dizendo que levaria um minutinho. Ela não voltaria mais, eu já sabia. Era sempre assim.

Olhei para os pôsteres que tinha na parede, ainda não conseguia acreditar. Será que foi tudo um sonho? Seria o que a gente viveu uma simples imaginação que criei enquanto estava desacordada? Nada daquilo foi real? Me bateu um desespero.

Olhei para a minha mão, ainda tinha o anel de corda de guitarra que Paul me dera.

"Então tudo o que aconteceu foi verdade?"

Não sabia se isso era possível. Fiquei confusa.

Sentei no chão, apoiando as minhas costas na parede. As lágrimas que escorriam do meu rosto já haviam secado. Meu olhar vagava pelo quarto, não focava em nada, só observava.

No meio de tantas emoções que ainda sentia, voltei ao mundo real e notei uma caixinha que situava-se em cima da minha estante. Sua cor me chamara a atenção, ela era azul com colagens diversas. Parecia ser velha pela cor amarelada. Me levantei para pegá-la, só por curiosidade, nunca a tinha visto antes ali.

Coloquei um banquinho e subi nele para poder alcançar, mas sendo desastrada como sou, me desequilibrei bem na hora que agarrei a caixa. O resultado foi uma menina jogada no chão e uma caixa que agora o que havia dentro dela estava tudo espalhado pelo quarto.

Me recompus e me apoiei em meus braços, olhei mais para baixo e vi que uma foto pousara na minha barriga. Peguei e a examinei. Demorou uns bons minutos até cair a ficha, não podia ser verdade.

A paisagem de fundo era composta por várias casinhas, bem familiares pelo visto. No centro haviam duas pessoas, um homem e uma mulher. Ele punha seu braço em volta dela, enquanto a moça o abraçava na cintura. Aquela jovem bonita e dando o sorriso mais puro do mundo era a minha avó, e o homem esbelto do lado dela era ninguém menos que Jim.

Pisquei meus olhos repetidamente, pensando que a queda poderia ter me afetado, mas nada.

Tantas coisas bizarras já haviam acontecido na minha vida, que vendo essa foto comecei a rir. A minha vida estava de cabeça para baixo, mais confusa do que tudo e ainda sim ela conseguia me surpreender mais ainda.

— Anna, seu pai ligou. Ele quer que eu te leve até a casa dele para você decidir o vestido que irá usar no casamento dele... — minha mãe chegou interrompendo a minha crise de risos.

Falei que estaria pronta em poucos minutos e logo em seguida ela fechou a porta.

Por mais que fosse bizarra essa coincidência, ainda sim tinha várias perguntas passando pela minha cabeça. E o único jeito de conseguir as respostas era a minha mãe, sendo a pessoa mais próxima que eu conhecia da minha avó.

Fiz uma mala rápida e fui para a garagem junto com ela. Estava chovendo muito forte lá fora, era quase impossível de ver os carros na rua.

— Isso aqui tá horrível — minha mãe reclamou — Por que que o seu pai inventou de fazer isso uma hora dessas?!

Não respondi, ainda pensava na foto.

— Mãe...

— O que foi? — ela respondia semicerrando os olhos, tentando enxergar algo além da chuva.

— Eu achei umas fotos antigas lá em casa, eram da vovó.

Ela não respondeu. O silêncio só era quebrado pelo barulho de vai e vem do pára-brisas.

— E eu achei uma dela com um moço que não se parecia nem um pouco com o vovô — continuei — Mãe, a vó traiu o vovô? — talvez se eu insinuasse traição ela falaria mais rápido.

Ela arregalou os olhos, mas não virou a cabeça.

— Anna, que absurdo é esse?

— Eu só estava pensando, ué...

— Não quero mais que você insinue esse tipo de coisa. Sabe o quão perigoso isso é?! — ela começou a levantar o tom de voz.

— M-

— Respeite a sua avó. Isso são modos, dona Anna?!

— É só qu-

— JÁ TE DISSE — ela ficou brava — AGORA ME RESPEITE.

— Só me diz, sim ou não. Não é nada demais — impliquei — Por que você sempre fica brava com tudo? Você NUNCA tem tempo para mim, fica sempre trabalhando, aí justamente quando finalmente ficamos sozinhas você acha algum jeito de estragar tudo! — berrei — Às vezes eu queria morar com o papai. Ele pode ser chato, mas pelo menos me daria mais atenção do que você e essa merda de celular — refleti.

Ela olhou para mim, e foi justamente nessa hora que tudo aconteceu.

Mamãe ia começar a falar quando batemos direto com um carro vindo da outra pista.

Me lembro da luz vindo do outro lado do vidro,
podendo ver as gotas de chuva que caíam. O som da buzina ficando mais alto a cada milésimo de segundo. O barulho do freio, mas que não adiantou nada já que a pista estava molhada.

E por fim, o barulho de vidro se quebrando e mamãe- não sei. Foi um apagão.

She's Leaving Home (PT-BR) - TERMINADAOnde histórias criam vida. Descubra agora