Um Novo Começo

502 73 604
                                    

Assim que ouviu o despertador e abriu os olhos naquela manhã, Cosima sentiu suas entranhas contraírem de dor. Era como se um filhote de dinossauro a estivesse devorando por dentro.

Merda! Justo hoje...

Ela se virou para a mesa de cabeceira, abriu a gaveta e retirou um dos frascos que ali guardava. Suas cólicas haviam tido uma piora considerável nos últimos meses, então era um hábito ter remédios sempre à mão naquela época do mês. Colocou os óculos, e com a visão agora nítida, notou que o relógio já marcava 07:15 AM. Percebendo que provavelmente chegaria atrasada em seu primeiro dia de volta as aulas, ela suspirou desanimada. Sentido a dor ficando cada vez mais intensa, pegou dois comprimidos e os engoliu a seco - já estava tão acostumada que nem precisava mais de um gole d'água para ajudar a empurrá-los para baixo.

Cosima se levantou da cama e ficou satisfeita em perceber que acordou a tempo de não precisar trocar o lençol. Seguiu bocejando para o banheiro, e uma vez lá, prendeu os dreads de modo a evitar que molhassem durante o banho. Se despiu e regulou o chuveiro em uma temperatura alta, tendo em vista que a água quente fazia se sentir um pouco mais confortável quando estava com aquele tipo de dor.

Enquanto espalhava a espuma pelo corpo, Cosima tentou focar no que vinha ocupando seus pensamentos nos últimos dias. Naquela segunda-feira, retomaria os estudos em seu segundo ano do PhD em Desenvolvimento Evolutivo, ramo da ciência do qual era apaixonada há vários anos. Sua intenção era terminar o doutorado e seguir a carreira acadêmica como pesquisadora e, talvez quem sabe, até emendar um pós-doc depois de formada.

Depois do banho e de estar adequadamente vestida, Cosima foi para a cozinha preparar algo para quebrar o jejum. Abriu os armários, mas não encontrou nada que fosse servir muito bem como café da manhã; na geladeira além da garrafa d'água pela metade, só havia um resto de leite no fundo do vasilhame.

- Droga Felix, era a sua vez de fazer as compras...

Pelo menos ainda restava pó de café. Contudo, não se lamentou mais pela precariedade da despensa, pois mesmo que tivesse um banquete a sua disposição, dificilmente conseguiria comer alguma coisa dada a náusea crescente que afligia seu estômago causada pela cólica.

Pouco tempo depois de acionar a cafeteira, ela ouviu a porta da frente do apartamento sendo destrancada e uma voz familiar preencheu o ambiente.

- Ah, finalmente em casa! - o rapaz soltou de forma teatral - Bom dia, amor.

Mas Cosima não pôde responder; seu corpo disparou o comando e ela teve que correr imediatamente para o banheiro. Insatisfeito com a recepção que teve, Felix a seguiu até a suíte da amiga e a encontrou ajoelhada diante do sanitário.

- Caramba Cosima, você já foi mais responsável. Não devia estar de ressaca no seu primeiro dia de aula.

Considerando que ainda não havia comido nada, não demorou para que o suco gástrico misturado com bile fosse drenado de seu corpo para dentro do vaso. Cosima ergue a cabeça e limpou a boca com as costas da mão enquanto acionava a descarga.

- Não é ressaca Felix... - Ela se arrastou para o quarto necessitada de voltar para a cama e se encolher. - É dor.

- Já tomou remédio?

- Sim, faz uns 15 minutos, mas ainda não fez efeito. Bom, agora é provável que nem vai fazer mais...

- Agradeço todos os dias por ter nascido homem... - ele disse revirando os olhos. - Espera um pouco, vou buscar uma bolsa de água quente pra você.

- Valeu.

Sozinha no quarto, Cosima desejava poder penetrar seu ventre com os dedos e arrancar aquilo que lhe causava tanta dor. Se uma mera cólica menstrual era capaz de causar tanta agonia, ela estava certa de que de seu útero nunca sairia nada além de sangue; trabalho de parto é algo que ela não estava disposta a se sujeitar.

Je L'aime à MourirOnde histórias criam vida. Descubra agora