Nós Coseguimos

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Nunca antes em sua vida Delphine havia experimentado uma dor tão forte e aguda como aquela. Caída sobre o piso frio do mercado, ela sentia o calor de seu corpo se esvair juntamente com o sangue que escorria em abundância do ferimento que havia lhe perfurado o abdômen. Sentia que estava em total controle de seus músculos e seus pensamentos começaram a se tornar mais imprecisos e confusos. Quando a loira apareceu na outra extremidade do corredor, vindo exacerbada e barulhenta em sua direção, seus olhos já estavam turvos e as imagens projetadas em seu cérebro mais e mais escurecidas a cada segundo que passava. As palavras que a mulher pronunciava exacerbada não passavam de ruídos incómodos em seus ouvidos, mas mesmo assim, quando Krystal se ajoelhou a seu lado, a francesa renuiu toda a energia que ainda a restava para puxar a mão dela até a fonte do sangramento.

– Pressiona... – ela disse em um murmúrio quase inaudível. – ... com força.

Então sem mais conseguir resistir, suas pálpebras enfim relaxaram e ela se entregou de vez à inconsciência.


*** Dias depois ***


Os últimos dias da vida de Cosima não haviam sido nada fáceis. Delphine ter saído com vida da segunda cirurgia certamente era algo pelo qual devia ser grata, porém desde que voltou do centro cirúrgico, a loira continuava internada na UTI. As duas visitas diárias de uma hora cada uma não eram nem de longe suficiente para suprir toda a saudade e necessidade que Cosima tinha da namorada, especialmente circunstâncias como aquela, sem poder ver o brilho em seu olhar e o som doce de sua voz.

Delphine já havia sido tirada do respirador mecânico e embora sua recuperação estivesse dentro do esperado, quando Cosima deixou o hospital pela última vez, a francesa ainda não tinha recobrado a consciência, provavelmente por conta da forte medicação que continuava recebendo.

Além da angústia de querer vê-la ficando boa o quanto antes, após a conversa que teve com Manon, Cosima não conseguia parar de pensar que Delphine só estava naquela situação por culpa sua. Se não tivesse enviado aquela maldita mensagem de texto a loira não teria se preocupado a ponto de embarcar na viagem que poderia facilmente ter colocado um ponto final a sua vida.

E agora, quando o momento que ela havia aguardado tão ansiosamente ao longo dos últimos meses – ou melhor dizendo, que elas haviam aguardado tanto – Cosima de certa forma se sentia traindo Delphine ao ir receber sua última dose de quimioterapia sem tê-la ao seu lado.

Sem muita vontade, estava terminando de arrumar a bolsa que levaria para o hospital, quando Felix entrou no quarto:

– Cos, você tem cinco minutos? – ele perguntou parecendo empolgado. – Queria te mostrar uma coisa...

– Tenho sim – ela respondeu ao olhar no relógio e ver que ainda estava adiantada. – O que foi?

Sem nada responder, o amigo a levou para seu próprio quarto, e uma vez lá, não foi difícil para que ela encontrasse a tal 'coisa' de ele tinha se referido.

– Eu terminei agora a pouco. – A satisfação era clara na voz de Felix. – Só toma cuidado que a tinta ainda está fresca em alguns pontos.

Apoiada no cavalete e sendo iluminada pela luz natural que entrava pela janela, estava a tela que ele havia começado a pintar alguns dias antes.

O espaço que havia sido dividido em três, retratava uma tríade de Cosimas que caminhavam em direção à borda direita do quadro. A primeira seção que havia sido pintada com uma palheta de cores terrosas, a representava de perfil, ainda com seus típicos dreads e vestindo um jaleco branco, porém o que mais chamava a atenção era o par de asas que pendiam de suas costas. Na segunda, aa cores que predominavam era o vermelho e o negro; Cosima aparecia já sem o cabelo, com a roupa se desfazendo em pedaços e as asas ruindo em cinzas. Por último e não menos importante, a última seção colorida em tons de azul a mostrava renovada; o cabelo em um corte curto com aspecto úmido, as asas abertas e recuperadas enquanto um de seus pés já se desagarrava do chão.

Je L'aime à MourirOnde histórias criam vida. Descubra agora