CONFISSÃO

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Estou me sentindo muito estranha. Penso em Vânia a toda hora. Depois da zombaria, ela não voltou mais pra sala e ficou uns dois ou três dias sem aparecer. 

Nenhuma de nós está feliz. Estamos todas pra lá de sem graça. Não conversamos muito sobre o assunto. Nem sequer tocamos no nome de ânia. Até a Carmita, que no começo andava pra lá e pra cá, toda cheia de si, já anda pelos cantos, com cara de culpada. Ela não é tão durona quanto pensava. Bastou a primeira censura silenciosa no olhar do resto da turma e dos professores para que ela desabasse. Até chorar,garantem alguns, ela chorou. 

— Foi apenas brincadeira... — repetia pra quem quisesse ouvir,cheia de remorso. — Será que ninguém entende? Foi apenas uma brincadeirinha à-toa, gente... 

Ninguém entendeu e andam dando um gelo daqueles nela. Na verdade, em todas nós. Por isso, até preferimos não ficar perto da Carmita nos últimos dias. Covardia ou não, nenhuma de nós quer ser"gelada" pela turma e pelos professores. Mas a culpa é nossa e ninguém consegue se livrar dela. 

Vivi diz que está se sentindo culpada de alguma coisa, embora não saiba exatamente do quê.

Tatiana levou uma bronca da mãe quando apareceu com uma advertência bem explicadinha na agenda. 

Mamãe e papai não disseram nada, mas notei que ele ficou olhando pra mim de uma maneira tão esquisita... 

Dava pra ver que ele não gostou nem um pouco do que fizemos.

Pior que eu também não gostei. Depois que Vânia começou a chorar, tudo perdeu a graça bem depressa e eu fiquei me sentindo mal,muito mal. Na verdade, envergonhada. Foi maldade o que fizemos. 

Continuo com Vânia na cabeça. Tem Vânia de tudo que é jeito e maneira. 

Vânia sorrindo. 

Vânia se mostrando inteligente. 

Vânia interessada. Vânia irritantemente interessada. Sempre interessada.

Vânia mexendo com a cabeça da gente. 

Vânia de tudo que é jeito, mas também Vânia chorando, sofrendo,correndo pra fora da sala com vergonha dos buracões na camisa. 

Carrego Vânia na cabeça e ela não sai do meu pensamento. 

Estou morrendo de vergonha. Toda vez que olho pra mesa dela,vazia, sinto mais vergonha ainda. Se o chão se abrisse e me engolisse,eu nem ia reclamar.

Pretinha, eu? (Júlio Emílio Braz) (1997)Onde histórias criam vida. Descubra agora