INDIFERENÇA

38 5 0
                                    


A indiferença doeu. Doeu demais em todas nós. Vinda de todos os lados, a censura dos olhares silenciosos e da frieza de gestos, cada uma de nós sentiu, a seu modo, a solidão no vaivém de todos no pátio, na hora do recreio. Mas ninguém sentiu mais do que Carmita. 

Estranho. Nenhuma de nós esperaria que ela, justamente Carmita, apessoa mais cheia de si que conhecíamos, aquela que parecia ter todas as respostas e as soluções para todos os problemas e dificuldades na ponta da língua, sentisse tanto aquela diferença. Mas sentiu...

Sentiu de verdade... 

A antiga rainha da sala, a orgulhosa e super independente Carmita, amais amadurecida de todas as meninas da 5a série, desabou diante de nós. Ela tornou-se silenciosa. Nem esperava mais por nós. Quando o carro parava na porta do colégio, tratava de entrar — nem fazia mais questão de que o motorista abrisse a porta pra ela, o que também o deixou muito surpreso — e ia embora. Falava pouco na sala, até mesmo com a gente.

— Será que os pais dela falaram alguma coisa? — perguntei para as outras. 

— Só pode ser... — disse Vivi. 

— E ela tem pai? — espantou-se Tatiana. 

— Mas é claro que tem! Acha que ela é filha de chocadeira, é? 

— Sei lá! Eu nunca vi pai algum procurando por ela aqui na escola.A minha mãe diz que até nas reuniões de pais quem vem é a empregada. 

Sei lá, dava pena ver a Carmita sozinha no pátio, indo e vindo sem que ninguém se interessasse em falar com ela, sorrir pra ela, ligar pra  ela.

Só. Carmita estava só. Muito só. 

Arrependida? 

Um pouco. Não muito, mas um pouco. Ela não precisava dizer.Dava para sentir. Aliás, todas nós estávamos

O que parecia é que ela, que sempre fora o centro das atenções em todo e qualquer lugar, sentira-se diminuída com a chegada da Vânia.Quisera recuperar sua antiga posição. Conseguira, finalmente, mas achoque ela — como nenhuma de nós — não contava que Vânia, em tão pouco tempo, tivesse feito tantos amigos. Acabamos transformadas em bandidas num filme em que não queríamos tal papel. 

Carmita precisava da atenção de todo mundo e agora não podia sequer contar com a das poucas amigas que ainda tinha. 

É, se arrependimento matasse...

Pretinha, eu? (Júlio Emílio Braz) (1997)Onde histórias criam vida. Descubra agora