A VOLTA DE VÂNIA

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Vânia! 

O grito de surpresa e até a alegria de um sorriso tão inesperadoquanto aliviado foi de Carmita. A surpresa foi tão grande que, por uns segundos, chegamos a acreditar que Carmita fosse correr ao encontrode Vânia e abraçá-la com toda força de uma saudade enorme.

Ela se controlou. Deu pra ver que Carmita se controlou muito pararetomar ao seu velho jeitinho malicioso e dar aquele risinho debochado,quando finalmente disse: 

— E não é que você teve coragem de voltar?

Ninguém ligou e ficamos desconfiando de toda aquela hostilidade eironia que ela apressou-se em colocar nos gestos e no olhar. Mais umtempinho de descuido e, muito provavelmente, até chegasse a pedirdesculpas... 

Vânia voltou olhando diferente pra nós. Dá pra sentir que não vaimais chorar quando a gente fizer outra daquelas brincadeiras sem graça.Não vai mesmo.

Acho que, só pra atazanar de vez, ela voltou melhor do que antes.Agora não resta a menor dúvida de que é a melhor aluna da sala. Dá praver sua satisfação sempre que um professor lhe dá um novo dez emqualquer matéria. Nessas horas, ela fica bem parecida com Carmita eparece esfregar aquele dez em nossas caras, com seus risinhos e longosolhares cheios de significados. Deve ser sua maneira de se vingar denós. Pior que isso, só nos chamando de "burras"! 

Carmita também continua a mesma. Passado o susto e os dias desolidão e gelo, a presença de Vânia começou a incomodá-la novamentee ela não perde uma oportunidade de provocá-la. Por enquanto, Vâniase finge de boba e ignora. Ultimamente, anda mais ocupada com osamigos que faz na turma. Todo mundo fala com ela, todo mundo gostade ouvi-la. Está cada vez mais difícil encontrar quem não simpatizecom Vânia.

Bárbara não se cansa de dizer, com um pouco de inveja, é claro, queela é a queridinha dos professores, que todos na escola parecem ternascido para paparicá-la. 

— O que ela tem que nós não temos? — pergunta, de tempos emtempos, e nós ficamos nos olhando, atrás de uma boa resposta. 

Também sinto inveja, por que negar? 

Queria ser como ela.

 Inveja. 

Simpatia. 

Carinho.

Ainda sinto um pouco de vergonha pelo que fiz com ela. Fico atévermel... 

Não, não fico vermelha, não. 

Não dá. 

Estranho, não pensava nisso antes de Vânia chegar ao colégio. 

Puxa, eu gostaria de ser amiga da Vânia. Falei com Carmita e elaquase teve um troço. 

— Eu não vou ser amiga de pretinha nenhuma! — gritou, muitobrava e o mais alto que pôde, pra que todomundo ouvisse. Ouviram e ficaramolhando pra ela. 

Carmita também é muito estranha! 

Todo mundo acha. Até eu, Bárbara,Vivi e Tatiana. 

Todo mundo. 

Ficou ainda pior depois que Vânia apareceu em nossa sala.

Pretinha, eu? (Júlio Emílio Braz) (1997)Onde histórias criam vida. Descubra agora