CARMITA

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Carmita disse que a mãe dela falou, e que o pai concorda, que gente preta não é muito inteligente, não. Que gente preta é preguiçosa e só vive criando confusão. 

Falou também que a mãe garante que preto, quando não está na cozinha ou jogando futebol, é ladrão. Parece ser uma grande conhecedora de gente preta.

Sentamos e ficamos ouvindo. Carmita fica repetindo e a gente,achando a maior graça. Ela parece acreditar naquilo e, como somos suas amigas, ficamos ouvindo. 

Carmita fala muito no pai e na mãe. Quem ouve pensa até que eles vivem grudados nela como chiclete. Fala também nos empregados da casa e garante que alguns até são uns pretos de muita confiança e bem legais.

— Pretos de alma branca — repete a frase mais conhecida da mãe.De vez em quando, fico pensando se alma tem cor. Perguntei, mas Carmita também não sabe. Só sabe o que a mãe diz e não procura saber mais. 

A professora Renata ouviu Carmita dizendo aquelas coisas na aula dela e deu uma bronca em todas nós. Todos os outros alunos riram muito, mas Carmita não disse nada. Só olhou pra Vânia. Olhou e ficou com raiva.

Eu, hem? 

— Se você deixasse de se preocupar tanto com a vida dos outros —disse a professora Renata—, talvez suas notas melhorassem um pouco,você não acha, Carmita?

A bronca deixou Carmita branquinha, branquinha. 

— Aquela pretinha me paga! — repetiu duas ou três vezes, olhos fixos em Vânia. 

Mas, afinal de contas, o que Vânia tinha feito? 

Por que será que Carmita tinha sempre de encontrar uma maneira de colocar a culpa de tudo o que acontece na Vânia? 

Carmita mete medo na gente. Principalmente em mim. Ainda mais depois daquele dia e da bronca da professora Renata. Sei lá! E se, de repente, ela notar que eu sou moreninha e aí... aí não sei! 

Mas fico com medo dela. Do que fala e da maneira como pensa. 

A professora Renata garante que não é culpa dela. 

E de quem seria então? 

Pretinha, eu? (Júlio Emílio Braz) (1997)Onde histórias criam vida. Descubra agora