12. Nick

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Nick olhou ao redor, e estranhou ao ver onde estava. O quarto estava exatamente como era quando tinha seus dez anos e ainda morava com seu pai em Miraculous Clearing. Cada boneca, cada bichinho de pelúcia, seus livros nas prateleiras, seu laptop rosa com adesivos de unicórnio e todos os móveis, estavam exatamente como deixava naquela época. Examinou o quarto minuciosamente com o olhar e até começou a tatear alguns objetos, como se desconfiasse que não fossem reais, até que uma rajada de vento entrou pelo vão debaixo da porta, deixando-a curiosa.

Ela caminhou até a porta e a abriu, mas se conteve ao ver que a porta dava para o exterior, e o quarto onde estava se se encontrava no topo de um prédio que parecia ser o da prefeitura, pois ficava no centro da cidade, e era o prédio mais alto dali. Arriscou mais um passo, e ficou bem na beirada, de onde pôde ver que a cidade estava reduzida a uma pilha de tijolos e ferro retorcido, como se tivesse sido atingida por um tsunami ou algo pior.

Ela sentiu vontade de descer até lá, e ver de perto aquela destruição, mas não havia nenhuma escada ou elevador e a altura do prédio onde estava, era realmente considerável.

_ Vamos meu anjo, dê mais um passo! _ sussurrou-lhe uma voz feminina que lhe era familiar, mas que de tão suave e baixa, era difícil reconhecer com precisão. _Vamos você consegue!

Olhando para o lado, para o prédio destruído de onde seu quarto fazia parte agora, ela pode ver que uma janela pendia das paredes, presa por um cabo de aço, e um pedaço do seu vidro espelhado ainda estava inteiro. No espelho seu reflexo usava jaqueta vermelha, calça preta e bota militar, a despeito do pijama totalmente branco que realmente usava.

_ Vamos, onde está sua coragem?_ Seu reflexo no vidro da janela pendurada falava diretamente com ela, agora mais alto._ Pra que servem essas asas se não forem para voar?

_ Asas?_ Ela perguntou ao reflexo_ Que...

Mas interrompeu o diálogo, ao ver que o olhar da sua imagem no reflexo estava direcionado para seus ombros, mais precisamente por cima deles, e girando a cabeça levemente, pode captar na visão periférica uma densa luz cinza-prateada, que se prendia ao seu ombro. Num impulso, ela se jogou para trás, para dentro do quarto, fechando a porta atrás de si.

_ Que loucura é essa agora Nick? _ Perguntou a si mesma_ Você agora tem asas de luz prateada?

Ela já estava acostumada com seus sonhos proféticos, mas esse já estava louco demais, e se aquilo era um sonho, ela pensou, por que não dar aquele passo?

Decidida, ela voltou até a porta, a abriu e mesmo sem olhar nem para o seu reflexo na janela e nem para baixo, deu mais um passo e para sua surpresa, ela não caiu.

Seus pés tocavam o ar como se fosse sólido, e ela deu mais uns passos antes de olhar outra vez para a janela, que agora estava mais próxima, e ver que seu reflexo agora usava as mesmas roupas e fazia os mesmos movimentos que ela. Ela viu também, agora nitidamente, que a chama que pendia detrás de seu ombro tinha realmente a forma de grandes asas brilhantes.

Depois de vê-las, ela passou a senti-las, e focando em movimentá-las, conseguiu até elevar-se um pouco, mas ela queria ir lá em baixo e ver a destruição de perto, então começou a descer, pisando o ar como se houvesse uma escada invisível ali.

Depois de descer vários "degraus invisíveis", ela chegou perto o suficiente para sentir o cheiro da morte que pairava por ali. Dentro dos carros revirados, haviam cadáveres. Em alguns desses veículos tinham até cinco corpos, que Nick imaginou serem famílias inteiras, que provavelmente tentavam fugir do que causara suas mortes.

Pisando agora sobre os destroços, ela caminhou por entre as pilhas de entulho, e quando percebeu, já estava bem longe do quarto onde tudo começou e pensou em voltar pra lá, e terminar de vez com esse sonho que já estava angustiante demais, mas decidiu seguir em frente e ver até onde ia, e se tinha alguma mensagem profética ou não.

Entrando em uma das poucas construções que ainda estavam de pé, viu que uma mulher estava encolhida atrás de uma pilastra, abraçando duas crianças pequenas. A mulher tremia compulsivamente e pareceu encolher-se ainda mais a cada passo que dava em sua direção.

_ Por Favor, não os machuque _ A mulher disse sem levantar a cabeça para encará-la, assim que ela contornou a pilastra_ Já não causou destruição demais por aqui?

Sem entender nada, Nick percebeu que uma das crianças apontava para o lado, e seguindo a direção de seu indicador, ela viu uma porta de vidro, e lá o seu reflexo estava diferente e assustador. Ao invés de roupas brancas e brilhantes, estava com roupas negras e foscas, e em suas asas, aquele cinza-prateado brilhante que vira no espelho da janela lá fora, dera lugar a uma chama negra e fúnebre. Seu rosto também estava diferente no reflexo, com olhos cheios de uma chama vermelha, que configuravam um rosto cruel e sem expressão.

Através do reflexo, ela assistiu a cena, que se movia independente de ela estar estática apenas assistindo, e nada pode fazer enquanto a figura sombria no espelho massacrava a mãe e as crianças com as chamas negras de suas asas.

Este último sonho foi mais intenso e angustiante que de costume, e ela acordou suada e ofegante. Não conseguiu retirar nada de concreto dele, e por isso sabia que muito em breve ele se repetiria, então decidiu não se preocupar em tentar entendê-lo. Ao invés disso, decidiu levantar-se e olhando pela janela, viu que o sol tinha resolvido aparecer, mas olhando para o relógio viu que ele já marcava quase dezoito horas, desta feita, ele já estava prestes a se por novamente.

Depois de terminar todas as tarefas de manhã, ela tinha decidido ir para a casa de seu pai, para dormir um pouco e aguardar mais instruções sobre o que devia fazer em seguida, mas ele não estava em casa, e à julgar pelas noticias que viu sobre os desaparecimentos misteriosos, ela temia que ele tivesse sumido também, já que se encaixava no perfil das "Vítimas".

Não sabia muito sobre esse assunto, mas os jalecos abandonados no laboratório foram suficientes para deixá-la curiosa a ponto de pesquisar sobre o assunto e ver que existia esse perfil.

Também não sabia nada sobre as tarefas que desempenhou mais cedo, e nem sobre as pessoas ligadas a elas, e não se questionava sobre isso. Uma vez tentou ignorar um desses chamados, mas foi atormentada até que cedesse então apenas se empenhava em executá-los, a fim de ter paz.

Um rosto e um nome desconhecido brotaram em sua mente, e ela sabia que sua próxima tarefa era encontrar essa pessoa, então alongou os músculos enrijecidos pelo cochilo, e seguiu para a cozinha onde preparou uns sanduíches e sentando-se à mesa abriu seu notebook e digitou o nome que precisava encontrar.

Como sempre, o rosto que surgiu não lhe era familiar, mas a deixou bem curiosa sobre qual era a importância daquele homem, para que ela precisasse encontrá-lo. Geralmente não se preocupava com o porquê, mas dessa vez não se conteve.

O homem da imagem era branco, tinha olhos azuis por detrás de uma armação antiga e lentes grossas de uns óculos que lhe conferiam um ar de intelectual, era calvo, e aparentava ter mais de cinquenta anos. Pelo seu nome, Nick deduziu que ele tinha descendência italiana, e se lembrou de que já o ouvira antes, no museu onde sua mãe trabalhava.

Tratava-se de um importante arqueólogo, e antropólogo que já deu uma palestra sobre antiguidades descobertas por ele que estavam sendo expostas no museu. Mas por todos seus atributos intelectuais, ele com certeza deveria ter sido levado junto com os demais, durante a onda de desaparecimentos dessa madrugada.

Terminando de fazer seu lanche, ela se levantou, e seguiu até a lavanderia, onde sua jaqueta e sua calça secavam após serem lavadas por ela mais cedo e as vestiu mesmo ainda meio úmidas. Pronta em seus trajes de motoqueira ela seguiu para a rua, onde sua moto a aguardava.

_ Professor Jeremias Veccio_ Pensou ela enquanto colocava o capacete_ O que o senhor terá de tão importante nessa história?

E ligando a moto, acelerou pelas ruas da cidade, seguindo seu radar intuitivo.

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