14. Mikael

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Mikael programou o GPS com as coordenadas que o professor Vecchio deixou no email, e deu a partida. Ao seu lado como um copiloto, Raphael segurava o aparelho celular com o cronômetro continuando a contagem de tempo iniciada por Louise assim que o ligou o oxigênio do professor.

_ Quanto tempo ainda temos? Mikael perguntou, sem tirar os olhos da pista. _ São cinquenta quilômetros até lá, na rota mais curta.

_ Temos pouco mais de uma hora_ Raphael respondeu, enquanto colocava o cinto de segurança _ Temos tempo de sobra, se nada nos atrapalhar.

Seguiram para a avenida principal, em direção à zona sul da cidade. Era de se imaginar que o professor Jeremias Vecchio, historiador, antropólogo e arqueólogo conhecido internacionalmente, teria gabarito para morar na área dos mais abastados financeiramente, o que não queria dizer que a condição financeira da família de Mikael era ruim, mas a escolha de seu pai por ser pastor, o forçou a ir onde as ovelhas estavam, então ele optou por morar mais próximo da sua igreja e fazer parte de sua comunidade.

_Geralmente quem tem menos dinheiro tem mais fé, em Deus! Ele disse, como se pensasse alto, e depois direcionou o diálogo ao amigo._ É irônico, não é?

_ Na verdade, antes de saber o que sabemos agora, até fazia sentido._ Raphael respondeu, olhando para ele e percebendo sua expressão séria e obstinada._ Quem tem uma vida mais "fácil", tende a ter menos necessidade de buscar um poder maior.

_ Então era tudo mentira? _ Mikael disse, olhando nos olhos de Raphael por um instante, como quem pede ajuda para entender_ Aquilo de "É mais fácil um camelo passar através de um buraco de agulha, que um rico entrar no reino dos céus"?

_ Talvez fosse verdade quando foi dito! _

Raphael respondeu _ Pelo que o professor falou no vídeo, houve uma assembléia extraordinária e uma mudança nos planos. É no mínimo de se esperar que um ser todo poderoso possa mudar de idéia quando assim desejar.

_ Mas Jesus é a verdade _ Mikael retrucou, agora com olhar fixo na pista para evitar colidir com os vários carros abandonados _ Ele mudou de idéia sem se preocupar com a verdade e o sacrifício de seu filho.

_ É, cara!_ Raphael ponderou _ Pelo visto o filho de Deus também está sujeito à hierarquia ditatorial da relação familiar.

Ambos riram. Era incrível como Raphael conseguia fazê-lo rir com sua autenticidade e coragem de dizer o que lhe vem à mente. Naquela situação, já que seu pai não podia estar junto dele, não existia ninguém melhor que Raphael para estar. Estava novamente pensando nele, em como estar com ele lhe fazia bem, e na química legal que tinham. Já havia sentido algo parecido uma vez, com uma antiga namorada, mas a idéia dessa atração não o agradava. Sabia que Raphael era gay, por seus trejeitos e outras pistas que deixava, mas ele não era, ou pelo menos não queria ser.

_ Bom, passando pela ponte depois da esquina, estaremos quase lá._ Raphael disse, fazendo seu papel de navegador._ E ainda temos pouco mais de meia hora.

Ao aproximarem da esquina, uma fumaça escura os deixou em alerta, e o alerta se transformou em desalento quando viram de onde a fumaça vinha.

Muitos carros estavam abandonados na entrada da ponte. Os dois ficaram estarrecidos ao verem que as duas pistas da ponte estavam destruídas. A calda de um avião grande estava despontando no rio, junto com uma de suas asas, narrando-lhes o que acontecera ali.

Tudo era muito surreal, parecia uma pintura modernista de Picasso, ilustrando como as coisas que estão ruins podem piorar. O Rio seguia até onde podiam enxergar e não havia outra passagem por ali.

_ Precisamos de outra rota Mick! _ Raphael disse _ Ainda temos vinte e três minutos!

_ Droga! Esse avião não podia ter caído alguns metros para frente ou para trás! Resmungou Mikael, enquanto olhava uma rota alternativa_ Tem outra rota sim, mas teremos que rodar mais trinta e cinco quilômetros.

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