"Precisamos Falar Sobre o Kevin" e a Psicopatologia

12 1 0
                                    

Kevin é o primeiro filho do casal Eva e Franklin. Este casal teve antes do matrimônio toda uma fase de vivência que aparenta ter sido muito positiva, com um vínculo afetivo muito forte entre os dois, tanto no namoro como no noivado. As cenas de romantismo evidenciam tal aspecto.

Quando Kevin nasceu ocorreu um fenômeno específico em seu núcleo familiar. Sua mãe, Eva, acostumada com a vida agitada de uma mulher de negócio teve uma dificuldade acentuada em se adaptar ao seu novo papel social, o de mãe. Mesmo trabalhando em casa essa dificuldade persistiu por ela talvez não haver sabido realizar essa transição. Ocorriam episódios onde na inabilidade de lidar com as necessidades do bebê ela simplesmente deixava-o a chorar continuamente e ligava o som alto. 

Obviamente essa falta da figura da mãe nos primeiros anos da vida de Kevin se refletiu na construção da personalidade dele posteriormente. Mesmo com a figura do pai sendo razoavelmente presente no processo de desenvolvimento de Kevin a provável falta do seio da mãe como fonte de prazer amenizadora do desprazer da fome aliada a toda a carga simbólica do seio resultou em um grande prejuízo. 

Analisando isto pela teoria psicanalítica de Melanie Klein, Kevin não teve enquanto criança um desejo sexual por sua mãe e assim não entrando em disputa com o pai ele não pode ser castrado na dinâmica regular do Complexo de Édipo. A noção de onipotência de Kevin desse modo não pode ser apaziguada, levando em conta que mesmo ele não sendo satisfeito pelo seio da mãe ele, através de uma plasticidade, criou outras formas de ser atendido imediatamente quando sua condição infantil demandava algo. A patologização está no fato de que tais novas formas mutaram-se em uma manipulação egóica. Podemos citar como exemplo os episódios em que Kevin deliberadamente fazia suas necessidades fisiológicas na fralda seguidamente só para que sua mãe o trocasse novamente.

Isso evoluiu conforme Kevin crescia de forma proeminente. Ele figurava um bom filho diante de seu pai e quando estava só com sua mãe deixava toda a sua rejeição a ela evidente, com pequenos comportamentos e discursos. Tudo isso passava despercebido a Franklin que não dava crédito a Eva quando ela falava sobre como Kevin agia e insistia que ela estava implicando demais com uma criança. Kevin observava tudo isso e reforçava esse quadro, agindo de maneira narcísica e debilitando cada vez mais a saúde mental de sua mãe.

Quando Eva ficou grávida Kevin demonstrou uma reação negativa acentuada a vinda de uma irmã, aspecto particular que sempre requererá alguma forma de investigação e intervenção na clínica. Quando Célia nasceu Kevin já era um adolescente e seu nível de manipulação se elevou ainda mais. Seu conflito com sua mãe fora agora redimensionado para sua a figura de sua irmã, em uma escala menor porém mais planejada. Ele chegou aos extremos de matar um animal de estimação de Célia e propositalmente criar um cenário onde sua irmã se cegasse em um dos olhos com produtos químicos. Célia sempre demonstrou muito afeto por Kevin que é insensível totalmente a isso em todo o tempo, mais um fator comprovante de sua frieza.

Nesta altura da narrativa Eva volta a desconfiar da responsabilidade de Kevin nos acidentes da casa porém já é demasiado tarde. A psicopatologia de Kevin, uma psicopatia com alto grau de narcisismo e manipulação, já está em um estágio deveras avançada. O longa metragem termina com uma série de trágicos homicídios cuidadosamente orquestrada por Kevin, um comportamento de um típico criminoso psicopata.

Janela da Alma: Cinema & PsicologiaOnde histórias criam vida. Descubra agora