FALTA.
Olho para ambos os lados enquanto espero do outro lado da rua, encaro a fachada de meu prédio para ter certeza que o senhorio não estava por ali.
Quando estou confiante o suficiente, atravesso a rua e passo pelas portas de vidro, que são tão velhas e pesadas que rangem como se fossem despencar a qualquer momento enquanto a destranco. O prédio é antigo e tem apenas três andares, passo pelo pequeno saguão a passos rápidos e subo pelas escadas.
Quando estou no meu andar — o segundo, vou através do corredor até chegar ao meu estúdio. Assim que entro tenho a sensação de que ainda estou na rua. O lugar está frio como a Antártida.
Tiro meus sapatos ao lado da porta e encaro o interior. O apartamento é pequeno mas é mais do que o suficiente para uma pessoa solteira. A primeira coisa que se pode ver da entrada é a pequena cozinha, com os gabinetes e eletrodomésticos seguindo o formato de um L junto à parede e uma cadeira de madeira antiga que já estava aqui quando me mudei.
E então o estúdio se abre para uma área ampla, janelas seguem por toda a parede e eu podia chegar até as escadas de incêndio através da última parte da janela. Há um colchão de casal no chão, e os lençóis e travesseiros estão bagunçados sobre ele. A estrutura da cama foi umas das primeiras coisas que vendi para tentar arranjar dinheiro, assim como meu celular, notebook e TV. Ao lado há uma cômoda e meus livros estão espalhados por todo o chão.
Caminho até a pequena área da cozinha, me abaixo em frente ao mine refrigerador que só está ligado graças à Margot, uma senhora adorável que mora ao lado. Margot havia deixado que eu ligasse uma extensão em sua casa, para poder manter pelo menos aquele aparelho ligado. Não que eu houvesse alguma coisa para poder refrigerar, mas ainda assim, o gesto havia me ajudado a não perder as esperanças.
A luz da pequena geladeira, iluminou os pisos de madeira e os meus pés. Coloco o recipiente de isopor para dentro e tiro de lá uma garrafa de água. Dou alguns goles e então a devolvo para seu lugar.
Ando no escuro até o banheiro que fica na parte de trás do estúdio. Retiro minhas roupas, elas estão úmidas do tempo frio lá fora, e estou coberto de suor. As coloco no cesto de roupas sujas que neste ponto já está cheio. Entro no box onde um balde cheio de água me aguarda, eu o havia enchido pela manhã, na rua ao lado tem uma mercearia que tem um bebedouro do lado de fora. Sim, eu estava sem água a duas semanas e estava enchendo baldes em bebedouros.
Com a ajuda de um pote, tomo um banho rápido. Me certifico de usar o mínimo de água possível. Quando termino coloco calças de moletom e uma camiseta.
Volto para o quarto, mesmo que fosse noite e que o lugar estivesse escuro, eu não tinha problema em me locomover, já conhecia bem o ambiente. Me jogo na cama, me envolvendo nos edredons para tentar afastar o frio do inverno. Agradeço por estar alimentado e seguro em casa, mas enquanto o sono não chega não posso evitar pensar em todas as coisas que haviam acontecido nas últimas horas.
Toco meu abdômen lembrando dos chutes que eu havia levado, sinto um tremor. A área está dolorida e sensível. Me lembro de Gustaff e sua proposta indecente e adormeço para mergulhar em pesadelos tortuosos nos quais em todos eu era esmagado por uma pilha de dinheiro.
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Desperto assustando quando ouço gritos e batidas furiosas na porta. Pulo do colchão espalhando os lençóis pelo chão, o movimento abrupto faz com que meu corpo machucado se curve e a dor dos golpes de espalhe, corro para porta e me jogo contra ela, como se meu peso pudesse impedir quem quer que fosse do outro lado de arrombar a entrada de minha casa.
Quando estou mais desperto e menos desorientado pelo susto, consigo reconhecer a voz do outro lado. Era o meu senhorio. Ele grita palavrões e esmurra a madeira com força.
— Eu vou pagar! — grito para que ele me ouça. Tudo fica em completo silêncio por alguns segundos.
— E quando isso vai acontecer? Não vou deixar nenhum vagabundo morar de graça no meu prédio! Você tem até amanhã à noite, se não me pagar o que deve, vou ligar para a polícia — ele avisa.
E então algo toca meus pés, vejo a pilha de papéis que é enfiada por debaixo da estrutura de madeira.
Me abaixo para pegar-las. A primeira das cartas é uma ordem de despejo, que havia vencido a dois dias, o papel me informa que devo deixar o apartamento e que se não o fizer dentro do prazo — que já havia vencido, estaria sujeito a expulsão e se oferecesse resistência poderia ser encaminhado à delegacia. A segunda é uma carta da reitoria de minha faculdade, me informando que devido à queda de minhas notas a minha bolsa de estudos estaria suspensa para revisão. Meus olhos se enchem de água.
Como minha vida havia se tornado tão desafortunada? E tão rápido, de forma tão repentina.
Tudo pelo o que eu lutei está indo pelo ralo. A bolsa de estudos, morar sozinho, me sustentar. Eu trabalhei tão duro. Nunca tive nada que foi dado a mim, sempre batalhei, nada nunca foi fácil. E agora tudo estava se esvaindo. Sou tomado por uma onda de desespero que explode através de meu peito em forma de choro.
Não tento segurar ou reprimir, apenas deixo que as emoções se libertem.
Quanto você quer por um boquete? — Gustaff volta aos meus pensamentos.
E eu me odeio por pensar nisso, por pensar nele. Me pergunto se ele me pagaria qualquer valor que eu pedisse, provavelmente era só uma piada, ele queria mexer comigo e no momento em que eu aceitasse a proposta ele riria de mim.
Não fazia sentido, me salvar da briga, pagar pelo doce e pela comida. Me fazer aquela proposta.
Eu nunca tinha visto ele em toda a minha vida. Mas isso não me impediu de reparar em suas roupas e no carro, ambos de luxo. Um cara de boa aparência e com dinheiro, não é disso que as mulheres gostam? Porque alguém como ele ia oferecer dinheiro em troca de favores sexuais? E porque ir atrás de um homem?
Talvez ele fosse bixessual e quisesse experimentar coisas novas, mas porque não ir a uma festa, a um bar ou até mesmo procurar em aplicativos online?
Tantas perguntas e nenhuma resposta. Tantos problemas e nenhuma solução. E aqui estou eu de novo, depois da noite passada eu achei que teria algum tempo. Mas o desespero estava aqui, não haviam tréguas. Eu tinha até amanhã à noite para arranjar 900 dólares, quantia que na minha situação era uma fortuna. Mas para Gustaff, deviam ser apenas uns trocados. Os pensamentos que rondam minha mente me envergonham.
Me sinto humilhado e impotente. Sinto medo.
Medo do futuro. Medo de não ter onde morar durante o inverno rigoroso. Medo de morrer de fome em algum beco sujo, onde ninguém me encontraria. Porque não há ninguém. Não pra mim.
A luz ilumina todo o espaço de meu estúdio, pego as cartas que ainda estavam em minhas mãos e as deixo sobre uma das bancadas da cozinha. Faço o caminho para o banheiro e reviro o cesto de roupas para alcançar o casaco azul marinho de moletom que estava usando na noite passada.
Quando pego a peça de roupa vou direto para os bolsos, a primeira coisa que meus dedos alçam é a embalagem plástica da barrinha de cereais que me causou tanto problema. Quase havia me esquecido dela, retiro a embalagem e lanço o último pedaço em minha boca. Mastigo lentamente enquanto continuo procurando.
Uma pressão se forma em meu peito quando o pequeno pedaço de papel é encontrado. O cartão é branco e não há nada escrito nele além dos números rabiscados. Um número de celular. Sugo o ar com força para parar o choro.
Eu seria forte. Faria o que era preciso e sairia dessa situação. E nada no mundo me faria menos homem.
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MONEY.
RomanceQuando as coisas não saem como planejado, Eliott observa a espiral desafortunada que se torna sua vida. Prestes a ser despejado, as contas vencidas se acumulando e se misturando a novas contas que estão prestes a vencer. Já não há luz ou água ou com...