Enterro

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Ela segurava a espada com afinco e coragem, enfrentaria todo aquele pequeno exército bárbaro nem que para isso precisasse ficar de pé, mesmo semimorta. O sangue latejava em sua cabeça, a adrenalina em suas veias a mantinha firme, um pé na frente e outro de apoio ligeiramente atrás.

Atrás de si o pequeno grupo que era caçado se aglomerava encurralado no pequeno vale pedregoso, mulheres que dependiam dela para sobreviver. Ela não podia cair, não podia...

— Desista, Jaihara, o inverno vem de toda forma, estamos fadadas a esse fim, minha senhora.

— Não estamos, e eu vou salvá-las nem que para isso eu sacrifique toda a minha linhagem!

Ela rebateu feroz fechando os olhos. A terra dava, a terra tirava, ela sabia o que fazer para proteger aquele grupo de humanas frágeis. Ela jurou protegê-las, ela protegeria até o fim!

— Não faça, não somos dignas...

— Eu decido quem é digna.

Rebateu fria e por dentro assustada também.

Os passos dos humanos ferozes vindo em direção as mulheres aumentavam em seus ouvidos sensíveis apesar de ainda estar longe aos sentidos e visão humana. Aqueles homens queriam as fêmeas para acasalar contra suas vontades. Humanos eram uns tolos arrogantes e ela sabia que se caísse, as mulheres que protegia, seriam destruídas por

aqueles machos inescrupulosos. Eram tempos difíceis, tempo em que os deuses dormiam... Não haveria ajuda sem sacrifício. E ela conhecia a magia que a prima lhe deixou antes de partir desse mundo. A prima que ainda era uma fera indomável sem corpo humano.

Jaihara tinha o corpo humano que seus antepassados não tinham, era filha de uma loba e de um humano, ela conseguia caminhar em duas patas...

Fechou os olhos e se recordou ainda criança da conversa com a loba anciã.

"Somos da linhagem original, nossos ancestrais estão adormecidos no extremo mundo, entretanto ainda podem nos conceder sua graça se nosso sacrifício for digno. Esse deve ser seu último recurso, criança, pois a magia dos originais é violenta e não discerne o bem do mal. Lembre-se desse encantamento, que jamais deve ser escrito, apenas guardado em sua mente, um clamor a magia primitiva, um clamor pago em sangue."

Uma mão tocou a sua, era da pequena fêmea do grupo:

— Jaihara, não faça, você é única entre todos, nós somos humanas sem nada de especial. Não valemos algo dessa magnitude.

— Até a menor das criaturas e a mais frágil pode mudar o mundo, ninguém é apenas humano sem nada de especial. Vocês são especiais para mim, e isso já faz valer a pena – Jaihara se virou e se ajoelhou para a pequena fêmea jovem e beijou a sua testa – Você é minha para cuidar, amar e proteger e ninguém vai tocá-la contra sua vontade.

Ela se ergueu, cravou a espada no chão duro de pedras frias e enquanto o vento soprava agressivo, ela fechou os olhos e deu voz a magia antiga que não podia ser escrita:

— Avô do meu avô, pai do meu pai, o primeiro dos seus, ouça o meu pedido – Jaihara abraçou seu ventre e fez o que tinha de ser feito - Toda a vida está condenada a desaparecer e todas as coisas devem falecer, as sombras estão entre nós e lamentando eu te deixo ir, para que a esperança ainda exista. Como o dia segue da noite, eu clamo o poder para lutar com a força dos meus ancestrais e em troca lhe dou meu dom de conceber. Leve meu poder de mãe, e me dê o poder de uma guerreira invencível. Eu tenho o seu sangue, faça a troca!

Ouviu alguns soluços atrás de si e um pranto silencioso que se seguiu enquanto o vento mudava de direção e um uivo assustador se fazia ouvido para além das montanhas. A voz que se seguiu tremeu o chão e ela sabia, vinha de muito distante:

LycanOnde histórias criam vida. Descubra agora