Dois mil anos antes
Ela caminhava pelas margens do rio Ganges. Do outro lado, lá, na distante margem oposta, ele estava sentado plácido, meditativo. A sua espera.
Seus olhos se cruzaram e ela foi até ele sobre as águas. Seus pés nus, decorados, tocavam a superfície com cuidado e carinho. Abaixo da superfície, os peixes a acompanhavam silenciosos. Tudo ao redor era apenas o respirar do vento, o som da água suave, os pássaros no céu sereno. A manhã era morna, tranquila, fresca e quando atingiu o outro lado, ali, alguns passos diante dele, finalmente ele se levantou e se curvou discreto levando as duas mãos unidas a testa.
Ela fez o mesmo.
— Radharani.
— Meu senhor, Govinda.
Ele lhe sorriu pequeno e assentiu:
— Esse meu eu, sempre lhe agradou.
Ambos se entreolharam e por fim ela se ajoelhou diante dele:
— Venho a ti, meu senhor, com um pedido de um sonho que ainda virá, em um futuro muito longínquo e possivelmente real e por sua absoluta sabedoria e poder, eu peço, interceda. Eis que é o senhor supremo do mundo terreno e seus sentidos, interceda.
Ele lhe olhou profundamente e então se voltou aos céus.— Eis que vem do deserto mais quente e de suas pirâmides para me pedir algo sobre um futuro ao qual não teremos a mesma influência. Atendeste tanto tempo como Nefertiti e agora como Maria, se consome em preocupações de um tempo onde será seu último respiro. Porque não fica comigo e desapega do mundo físico, Radha? Porque se acorrenta nesse mundo mortal quando não há mais necessidade?
— Mas há necessidade, nossos caminhos estão conectados, meu senhor, nós e a humanidade, não só a humanidade, mas a todos os seres vivos que os cercam, chegará o dia que responderão a uma só voz e a um só caminho. E nesse dia, os olhos se voltaram aos céus sabendo que a intervenção veio por graça e ordem do senhor Kristna...
— Seus discursos sempre tão fervorosos aquecem meu coração assim como ludibria os deuses de todos os panteões – E ele lhe sorriu de certa forma divertido, o que lhe fez sorrir também – Nesse futuro serão as fêmeas quem terão a lótus e o cetro nas mãos, não precisa de teu senhor Hari...
— Na morada dos céus, estará com ele, é a isso que rogo, quando for a hora, me chame. Os filhos dele serão cruéis, eu só poderei intervir, se me despertar com tua glória e poder, eu estarei dormindo, o meu eu desse futuro pensará ser o melhor. Não me ouça. Vá até mim e me acorde.
Ele, com sua pele azul escura e seus olhos que a tudo via, sabia e conhecia se fecharam e ela aguardou, porque conhecia aquele deus como nenhum outro ser que caminhava pelo universo.
— Se esse futuro acontecer – E ele abriu os olhos de forma doce – Então eu descerei dos céus para chamá-la, minha Radharani - Ela se curvou com as mãos na testa e agradeceu com todos os seus sentidos – contudo, Radha?
Ela o olhou e viu uma leve dor ali, em seus profundos olhos magníficos:
— Diga, meu senhor.
— Perdeste o amor da sua vida por suas próprias mãos, então seu filho mais amado, agora que foi sua filha, irmã e nora se vai. Porque tanta dor? Porque não voltar para os céus, eu lhe levaria feliz e viveria em paz por todo o tempo que existirmos nesse universo.
— Somos fêmeas, meu senhor, nós suportamos dores inimagináveis. Existem razões que a própria razão desconhece e razões mais profundas que a própria morte. O céu não é e nunca será minha morada, eu estou presa a Terra e sempre estarei, não é nossa escolha, meu senhor, é a verdade e a vida. Eu nasci para morrer e lutar, e assim eu farei.

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Lycan
FantasiaEla era uma mulher a beira da morte, ao menos era o que pensava, até ser sequestrada por um estranho obscuro, jogada em uma cova e enterrada viva. Mas não era a morte que a esperava e sim a verdade que uma raça inteira buscava entender. Ela era a ch...