VISÃO

103 28 140
                                    

— A culpa será sua se entrarmos em desgraça! Que Crom Dubn tenha piedade de nós. — O rei Tighermas explode em ira. Ele está sentado em seu trono. A coroa do rei tem dez pedras preciosas, mas nenhuma tem ouro. A sua coroa é uma peça única, pegando atrás da sua cabeça e com dois chifres pequenos, separados, em cada lado. Os outros dois homens, a mão do rei e o sacerdote, estão em pé diante dele.

— Minha? — Jonathan Macline responde com uma pergunta. — Você e sua família promovem um culto a um deus sanguinário, que pede a cabeça de dez pessoas, todos os anos, para que as nossas terras sejam férteis. — O sacerdote Kraven franze o cenho. — Derramam o sangue dos nossos irmãos, e eu quem sou o culpado?

O rei apoia as palmas das mãos sobre as duas cabeças de tigre, feitas de prata, que detalham os braços do trono.

— Um deus sanguinário? Nós estávamos à beira da extinção, iríamos todos morrer, se o pai de meu pai, não tivesse feito o que ele fez! Jonathan Maclen, você diz que Crom Dubn é um deus sanguinário, mas conte-me sobre o vosso deus. E não se esqueça que o sangue da sua família também está nesse solo!

— Jesus Cristo é o meu único deus. E ele é amor. Seus ensinamentos consistem em dois: Amar ao Pai sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Onde há sangue nisso? Que perigo tem esses ensinamentos?

— Seu idiota! Não sei o porquê os meus antepassados colocaram sua família como uma das Mãos do rei, mas sei que posso terminar com isso. — O sacerdote Kraven abaixa a cabeça. Embora o teto da sala do trono, seja alta e espaçosa por demais, o calor transita entre eles.

— Meu rei, qual o problema que tem em adorar um outro deus que não seja Crom Dubn?

— Nenhum! Nós temos vários deuses. Mas você e sua família não ficam calados. Querem que outras pessoas sigam esse seu deus. E todos sabem que a Irlanda segue unicamente a Crom Dubn! E o outro problema Maclen, é que as pessoas não querem mais doarem suas cabeças. Todos os anos, os mais velhos, apenas dez deles, se oferecem para que essa terra, para que a poderosa Irlanda continue crescendo e vencendo seus inimigos. Se não percebeu, nossas fronteiras estão cercadas por inimigos cristãos.

— Querido Jonathan — O sacerdote Kraven interrompe a discursão procurando uma mediação. —, o senhor é a Mão direita do rei. E sabe muito bem que sete clãs uniram-se para criar a Irlanda. Sete líderes nus, juraram, banhados pela terceira Lua do sétimo mês, na noite mais fria do ano da deusa Brigit, que toda a Irlanda seguiria unicamente a Crom Dubn. É lógico que temos vários deuses, mas fomos unidos sobre a forja de Crom Dubn.

— Eu sei disso. Lógico que sei. E todos eles derramaram com a mesma faca, o sangue das duas mãos, sob a relva seca e queimada pelo gelo. Como o rei falou, o sangue do meu antepassado está nesse solo também.

— Então sabe que depois desse evento, o do pacto, não perdemos mais animais, pessoas ou colheitas, mesmo no inverno mais rigoroso e mortal. E quando deixamos nossas obrigações, para ouvirmos aos devaneios do ouro... a ganância fez brotar daquele sangue, Dullahan.

— Dullahan? Todos nós sabemos que alguém se fantasiou num cavaleiro, e saiu matando todos que eram contra o deus Crom Dubn!

— Oh tolo Johanthan Macline... — Zomba o sacerdote. — Você acredita mesmo nisso? Que todos nossos descendentes uniram-se para fazer tamanha desgraça? E que matamos nossos parentes? Vejo que é mais tolo que imaginei.

— Chega! Como seu rei, não quero adoração para outro deus, que não seja Crom Dubn! E para felicidade sua e de toda sua linhagem, espero que escute esse meu aviso: Eu, rei Tighermas, o proíbo de falar em público ou em qualquer lugar desse seu deus cristão!

— Jonathan, seja cristão. — Fala Kraven. — Mas, apenas você e sua família. O que estamos pedindo é que não traga mais desses ensinamentos para nosso povo.

— O cristianismo é o futuro da humanidade. — Responde Jonathan Macline.

— Que seja, mas não aqui na Irlanda. Nós já temos nossas crenças e um deus. O nome dele é Crom Dubn! O meu pai e o seu, caminharam juntos. Nossas famílias têm sido leais umas para com as outras. Porém, não esqueça que você é uma das pessoas em quem mais confio. A minha mão direita. Mas, o considerarei culpado se as pessoas não vierem oferecer suas cabeças para Crom Dubn!

— Aceito esse fardo, embora não entenda. O que tenho pregado é que devemos amar uns aos outros, como Cristo nos amou e deu sua vida por todos nós. Qual o problema em dizer isso? Nós temos até uma deusa que representa o amor.

— Bem falastes. Temos. Não precisamos de mais um. Esse Cristo que você prega, irá deixar-nos mais fracos. As nossas fronteiras são cercadas de inimigos. Então, amigo Macline, quando eles avançarem sobre suas terras, não use a espada... de-lhes seus campos e seu amor. E quando isso acontecer, sentirá o metal frio corta-lhe a carne. — O aviso do sacerdote Kraven, coloca um sorriso no rosto do rei.

Jonathan Macline pede licença para sair. O rei Tighermas autoriza com um gesto de consentimento, feito com sua cabeça.

Quando as portas feitas de madeiras e ferro, são fechadas, o rei acomodasse melhor no seu trono.

— O que você acha? — Pergunta o rei.

— Sobre o que meu soberano? Se ele vai ficar calado, não falando mais desse deus cristão? É isso?

— Sim.

— Não creio que Macline irá desobedecer uma ordem direta sua.

— Não sei... os olhos dele não me passaram firmeza. Kraven, como é essa religião chamada de cristianismo?

— Meu soberano, eles acreditam que o deus do judaísmo, escolheu uma mulher judia para gerar um filho.

— Só isso? O que mais temos nas diversas religiões é exatamente isso!

— Não é tão igual assim. O deus virou homem, curou as pessoas, ressuscitou... os sacerdotes de Jerusalém, revoltados com a mensagem dele, armaram uma cilada e o crucificaram. Porém, os cristãos alegam que ele ressuscitou ao terceiro dia, e que a partir desse feito, esse Jesus perdoa qualquer pecado que a pessoa tenha cometido ou ainda cometerá.

— Sacerdote, é impressão minha, ou notei uma certa simpatia com esse tal deus.

— Meu rei, eu só sirvo o senhor e ao nosso deus. Mas, não posso deixar de afirmar que essa ideia de um deus compassivo e amoroso não seja interessante.

— Como não os vi crescendo embaixo da minha vista?

— O senhor consegue encontrar ninhos de ratos? Claro que não. Eles se escondem. Os cristãos são assim... eles se escondem, porém, ainda não sei como fazem ou qual poder que eles usam para convencer os outros.

— Magia. Eles usam a magia! Uma magia que deixa as pessoas sem vontade própria.

— Pode ser. Apesar que, o senhor notou Jonathan enfeitiçado? Ele pareceu sobre o domínio de alguma magia?

— Não. Ele me pareceu normal.

— Meu rei, o que acredito é que toda essa mentira, foi criada para conquistar o mundo. Os persas, quando queriam desestabilizar um país, compravam as pessoas. Os cristão usam a religião deles.

— Sacerdote, cuidado com sua colocações.

— Desculpe-me ó rei. Mas, é meu dever ser a sua mão esquerda, e dizer o que penso.

— Kraven, o que você está alegando é traição. Jonathan nunca me trairia!

— Meu rei, a Inglaterra e a Escócia já são cristãs. Se não me engano, foi o pai de seu pai, que uniu a Irlanda sobre uma única bandeira. Um único trono e um único deus.

O silêncio do rei Tighermas é uma resposta para o sacerdote Kraven.

Ana Júlia abre os olhos. A jovem engole seco. A sua mente está confusa. Na verdade, Ana tem certeza que o que acabou de ver, não fora um sonho, mas uma visão.

Ela acabou de assisti de camarote, uma reunião entre um rei e seus dois conselheiros, que se passou a vários séculos atrás.

— Por que isso está acontecendo comigo? — Ana sente novas queimações em volta do pescoço.

DULLAHAN - A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA - Lançado em 23/10/2019 - COMPLETO. Onde histórias criam vida. Descubra agora