"A"

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— O que você tem? — Pergunta Douglas para Ana Júlia. — Percebo que desde que a aula começou, você está fechando o olho direito.

— Dor de cabeça. — Ana olha para Douglas, com um dos olhos abertos. — E é muita dor de cabeça.

— O casal vai ficar aí de conversinha, no fundinho da sala. — O professor de Economia, deu uma acentuada a mais na palavra "fundinho". 

— Foi mal Jorge.

— Desculpas aceita. Obrigado. — O economista volta para o quadro, e continua sua explicação sobre juros, demanda etc. Douglas, escreve no livro dele e mostra para Ana:

(Você quer remédio? Eu compro.)

A jovem só faz balançar a cabeça dizendo não. E manda um beijo. Depois, ela escreve:

(Tive outro sonho.)

Douglas franze o cenho depois que leu. E Ana volta a escrever:

(Sonhei com Dullahan.)

O rapaz escreve no livro dele:

(?)

Ana junta as duas mãos na cabeça. A dor aumentou.

— A mocinha aí atrás está bem? — Pergunta o professor de Economia.

— Estou com muita dor de cabeça. — Responde Ana com um dos olhos fechado. — O senhor não teria um remédio aí? — Douglas olha para Ana sem acreditar no que ouviu.

— Alguém tem remédio para dor de cabeça? — Grita Jorge. — Ninguém? Ana escreve no caderno:

(Perguntei para ele não encher o saco. Detesto o sacarmos dele.)

Douglas encosta-se na cadeira. Os olhos da namorada estavam vermelhos.

— Alguém? Dou-lhe uma...

— Não precisa gritar. Qual foi a parte que você não entendeu? — Douglas fala ríspido, mas sem alterar a voz. Os olhos dele estão nos do professor.

— Oi?

— É isso mesmo que você escutou! Qual foi a parte que não entendeu? — Ana Júlia assustasse com a atitude do namorado e ao mesmo tempo, sente uma felicidade transbordante. Ninguém nunca a defendera assim. 

Jorge fica olhando para o rapaz. A tensão perpetua-se por mais alguns segundos... infindáveis segundos, que parecem transitar entre as cadeiras dos estudantes acadêmicos.

— Eu não vou sair no braço com você, valentão.

— Nem eu o quero. — Responde Douglas sem piscar. — Não somos irracionais, porém, o respeito é e será sempre bem vindo. — Ana Júlia gentilmente toca no cotovelo do namorado. Um toque que passa-lhe gratidão, amor, carinho e diz que o professor de Economia entendeu a mensagem.

A aula acaba ali. Sem mais um til ou vírgula. De forma seca e áspera. Silenciosa e sonoramente livre.

Depois que os dois estão sozinhos:

— Obrigada amor, pelo que fez. Ninguém nunca defendeu-me dessa forma.

— Eu seria nem sei o quê, se deixasse Jorge continuar com aquela palhaçada.

— E o melhor é que minha dor de cabeça passou.

— Então já sabemos como resolver a questão.

— E como seria?

— Sempre te defendendo. Brigando. Gritando.

Os dois sorriem. Douglas continua:

— Eu nunca vou deixar ninguém te machucar.

— Eu sinto isso. Meu guardião. — O casal tem suas bocas atraídas, iguais a dois ímãs de magnetismos invertidos. A união entre o positivo e negativo.

De fato os dois estão apaixonados. As pessoas sentem isso ao passarem próximo ao casal. Porém, Ana Júlia não sente-se feliz totalmente. E não é também por duvidar de qualquer coisa, principalmente de seus sentimento para com Douglas e vice-versa.

A grande verdade, é que a cada dia, as dores de cabeça estão aumentando. Ana, tem medo até de dormir e sonhar com as pessoas do Século VI.

As dores pioram quando a jovem assiste aos noticiários. Essa onda de pessoas sendo assassinadas, tendo suas cabeças levadas, e juntando tudo isso, ainda há os sonhos esquisitos... é mesmo para deixar qualquer pessoal normal, de orelhas em pé.

O casal já está chegando na saída do Campus, quando os pensamentos de Ana são interrompidos.

— Você está com fome?

— Na verdade, não estou. Porém, eu te acompanho.

— Acompanha como? Vendo-me comer?

— Exato. — Douglas para ao ouvir a resposta e coloca as mãos na cintura.

— Exato?

— Sabe mesmo o que eu quero? — Douglas balança negativamente a cabeça. — É ter você dentro de mim.

A resposta pega o rapaz totalmente desprevenido. Ele fica sem ação. Parado. Estático. Lembrando até uma imagem sacra, esquecida no meio da rua.

Porém, aos poucos, um sorriso vem iluminando seu rosto, e os olhos movem-se conforme a mente trabalha, mostrando a que ponto já vai sua imaginação e desejo.

— Eu vou chamar um Uber.

— Vai ser mais rápido se formos caminhando. O tempo que vamos ficar aqui esperando... já estaremos chegando em sua casa.

Douglas, novamente abre um sorriso leve, porém, ainda mais matreiro. Ana Júlia está certa. As duas aulas de hoje foram no horário da manhã, já passa do meio-dia, o centro da cidade borbulha de gente, e conseguir um uber, poderá ser uma solução não muito rápida.

— E a dor de cabeça?

— Você realmente está preocupado.

— E não deveria? O amor da minha vida, sofrendo e eu ficar morando na parcimônia? De jeito nenhum! — Ana Júlia sorri. Parcimônia é uma palavra muitíssima pouco usada, só por isso, torna-se um motivo para sorrir.

— Parcimônia?

— Eu sei que sabe o que significa.

— Então, você não mora na parcimônia?

— Eu sou um cara paciente, moderado, modesto... mas, o seu desejo me deixou cheio de vontade.

— Como assim? Você não estava com desejo?

— Sempre estou. — Ela sente o calor nos olhos dele, ao vê-los olhando para ela. — Porém, não quero que a nossa relação seja somente sexo. Entende o que estou dizendo? É lógico que quero fazer sexo com você! Sentir seu sexo quente e molhado, enquanto penetro, mas também desejo que o nosso amor seja seguro pelas letras "A" que tem em nossos nomes. Um elo inquebrável. Eu te amo.

O casal para no meio da calçada e se beija. As pessoas que transitam na rua, desviam-se dos dois, iguais a um rio agitado, que divide-se em duas partes, quando é vencido por um pedra no seu caminho... porém, as duas partes voltam a ser um, depois de deixarem a pedra para trás.

Eles são o objeto estranho, dentro de uma imensidão. Um todo.

DULLAHAN - A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA - Lançado em 23/10/2019 - COMPLETO. Onde histórias criam vida. Descubra agora