Capítulo 1 - Afortunadamente

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"É sempre assim, perfeito

Você de qualquer jeito

Me faz bem"

(Me faz bem – Luiza Possi)

O sapato a incomodava, mas Regina continuava a caminhar ereta, como se nada estivesse errado, seguindo para a estação de metrô da linha verde em São Paulo, no início daquela noite de sexta-feira. Das tantas coisas a que se recusava a admitir, uma delas era de que um calçado caro lhe causava bolhas, uma outra é a de que ansiava pelo final de semana e pelas férias, como qualquer outra pessoa.

Usar saltos fazia parte de sua personalidade, de sua aparência, de seu eu, desde o primeiro emprego como estagiária num banco, ou ainda antes disso, nas primeiras festas de quinze anos que frequentou, no final dos anos noventa.

Entrou no vagão e permaneceu em pé, já que o único banco vago era preferencial e ela jamais se permitia cometer  infrações. Respirou fundo, soltou os cabelos loiros que estavam presos num coque apertado e aproveitou o tempo no transporte para responder mensagens no celular.

Meu_Tiago 17:12: Peguei a Clarinha na escola e tamo indo pra casa, milagrosamente o trânsito tá tranquilo.

Regina 18:24 Que bom... Já já estou por aí. Bjo!

Grupo: Primas Prado

Ingrid 12:07: baladinha hoje?

Angélica 12:23: depende onde, me recuso a ficar em pé.

Ingrid 12:24: aqui, olha o link.

Angélica: 12:27: pode ser, te mando mensagem quando sair do serviço e a gente combina.

Ingrid 12:32: @regina?

Angélica 12:32: ela só vai ver quando sair do trabalho.

Regina 18:27: exato.

Regina 18:28: obrigada pelo convite meninas, mas estou indo pra casa, cansadíssima. Só quero marido, filha e pizza.

A prima respondeu com o gif de um bebê tombando de sono, fazendo-a segurar uma gargalhada. Uma passageira a observou curiosa e ela guardou o celular.

Desde a juventude Regina evitava a todo custo chamar atenção. Intercalando a timidez e a boa educação, não aumentava o tom de voz, não usava decotes profundos nem saias curtas e não usava drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas; talvez uma taça de espumante ou vinho em raras comemorações.

Nas escolas que frequentou se limitava a estudar, obedecer às regras e admirar de uma distância segura os garotos que a atraiam. Ela havia estudado numa escola particular até a oitava série e depois numa renomada escola estadual durante o colegial, após fazer uma prova de conhecimentos para ser aceita.

A convivência com pessoas dos quatro cantos de São Paulo, com as quais jamais teria contato não fosse aquele ambiente, a transformou um pouco, trazendo-a à realidade da vida do lado de fora de sua bolha e aquilo era o que ela mais destacava quando era convidada a opinar sobre o universo educacional.

Após um curso técnico, uma faculdade de administração, uma pós-graduação na área de pedagogia, alguns empregos em médias e grandes empresas incluindo escolas, Regina era atualmente, aos 35 anos e 11 meses, a diretora de um colégio particular localizado à distância de algumas estações de metrô de sua casa.

Disciplina era sua palavra de ordem e este comportamento severo só caia por terra quando, após o expediente, encontrava suas duas pessoas preferidas: o marido Tiago e a filha de três anos, Clara.

O último feitiço de Cassandra [Vencedor wattys 2021]Onde histórias criam vida. Descubra agora