Capítulo 22 - Ferida Viva

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"...apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos..."

(Como nossos pais – Elis Regina)

Regina vagava entre a cozinha e a sala, que formavam um único e longo cômodo integrado, soluçando de tempos em tempos e alisando o anelar esquerdo, sentindo a ausência da aliança.

Passava os olhos pelos objetos dispostos no rack da sala: uma foto em que ela, Brigite e Cido abraçavam Maria Júlia na formatura do ensino fundamental da menina; uma sequência de bibelôs de diversos países, todos presentes de Guilherme: a opera house de Sidney, a estátua da liberdade e o Big Ben; depois havia mais um porta retrato no qual a palavra "friends" decorava a borda e sustentava duas fotos menores, uma em que Luciana e Regina estavam em frente a uma barraca de camping e outra em que ela e suas quatro amigas do ensino médio faziam uma mesma pose, beijando seus próprios ombros; por fim, encerrando a série de porta-retratos, havia uma imagem em tons de sépia de Regina com mais três amigos da faculdade e ao lado um canudo forrado de camurça verde, que abrigou seu diploma no dia da formatura.

Regina não costumava ter tanta decoração no apartamento, talvez por conta da filha pequena...

Então seu olhar foi atraído para o maior porta-retrato de todos, numa prateleira mais alta, e que exibia a foto em que ela e as primas estavam ao redor de Cassandra, na noite de seu retorno ao passado.

— Ai meu Deus!

O interfone tocou e o porteiro avisou a chegada de Angélica e Ingrid. Regina destrancou a porta e sentou numa cadeira. Ao ouvir batidas na porta, respondeu desanimada:

— Tá aberta.

— Regina, o que você fez?! — Angélica escancarou a porta, apontando para a própria barriga.

— Meu Deus do céu! Você tá grávida! — ela se pôs em pé num pulo, boquiaberta.

Angélica puxou Ingrid para dentro do apartamento e fechou a porta, balançando a cabeça:

— É, e eu não tenho só um filho não viu! Pammela tá em casa com meu marido, Fabrício, e esse aqui é o Evandro. — Ela chacoalhava a cabeça e levantava as sobrancelhas.

— Que?! — Mais uma vez Regina deixou escapar um grito fino.

— Imagina eu acordando de um cochilo, subitamente grávida! — A prima gesticulava e falava alto — Demorou dez minutos para as primeiras lembranças virem, o Fabrício estava tomando banho e eu passei o tempo todo fugindo da minha própria filha!

Regina alternava o olhar entre as primas, com os pensamentos ainda embaralhados:

— Ingrid, e você? O que mudou?

Ela levantou os dois braços:

— Eu tô salva! Continuo plenamente solteira.

— Sem filhos de surpresa?

— Sem filhos de surpresa.

Regina encostou a mão na barriga de Angélica:

— Mas como? Não era só um sonho? Uma viagem?

— Você tá maluca? Você não seguiu as instruções?

— A gente achou que a vó nem tinha te dado a poção. — Ingrid puxou uma cadeira para si, porque sabia que a conversa seria longa.

— Vocês também receberam a poção?!

— Claro que sim! A gente faz parte do maldito clã das bruxas da família! — Angélica bufou.

O último feitiço de Cassandra [Vencedor wattys 2021]Onde histórias criam vida. Descubra agora