"Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes"
(Metamorfose Ambulante – Raul Seixas)
Ao contrário do que se espera de adolescentes, Regina acordou sorridente naquela segunda-feira de agosto. Estava aliviada por finalmente voltar a ocupar o tempo com a escola porque aquelas três semanas arrastadas, vividas a base de MTV, a estavam enlouquecendo.
E também sorria porque estava preparada.
Da primeira vez, ela se recordava com genuíno ódio, professora Violeta entrara na sala de aula e escrevera na lousa o seguinte período "Um grupo de cientistas de uma universidade dos Estados Unidos anunciou ter criado árvores artificiais que podem ajudar no combate ao aquecimento global.".
Em seguida olharia diretamente para Regina e faria a primeira vítima do semestre:
— Vamos fazer uma revisão. Você... — ela não fazia questão de decorar nomes — "que podem ajudar no combate ao aquecimento global" é que tipo de oração?
Regina piscaria algumas vezes, tentando se localizar no tempo e no espaço, pois era apenas o primeiro dia depois das férias e Violeta a encarava com aqueles imensos olhos azuis, não permitindo que ela lembrasse qualquer detalhe da matéria, nem o suficiente para arriscar um chute.
— É...
— Não sabe, menina? — ela aumentaria o tom da voz e soltaria uma de suas pérolas — Então vai se enforcar num pé de cebolinha porque eu não sei como você chegou até aqui.
Os colegas permaneceriam em silêncio absoluto e os olhos de Regina se encheriam de lágrimas. Já não se importaria em não saber a resposta, estaria apenas concentrada em não chorar.
— Está com medo de estudar? A porta da rua é serventia da casa.
E a professora não daria nem a resposta ao exercício e nem a devida explicação. Em seguida distribuiria uma das tradicionais listas de questões de vestibular para as quais os próprios alunos deveriam dar as respostas corretas em trinta minutos, sob pena de mais deboche. O erro não era tolerado na aula dela.
Regina permaneceria fragilizada o resto do dia e apenas copiaria as respostas das colegas, que a olhariam com pena. A maioria dos alunos daquela sala, e de todas as outras, havia sofrido algo parecido nas aulas de português e ninguém era ridicularizado por isso. Era um acordo silencioso entre os humilhados.
Todavia naquele dia Regina estava disposta a agir de um modo diferente, tinha esperanças de sair ilesa da situação.
A mesma cena se repetiu, Violeta lhe fez a pergunta, a garota inclinou a cabeça e respondeu calmamente, sem desviar o olhar do da professora:
— Oração subordinada adjetiva.
A mulher não mudou a pose, e ambas se desafiaram com o olhar por alguns segundos , até que Violeta abriu um pequeno sorriso e se afastou:
— Alguém não tem vida e passou as férias inteiras estudando, hein?
Regina também se permitiu sorrir, finalmente entendo que não havia como ganhar com Violeta porque o objetivo da mulher era jamais fazer um elogio.
Não tinha mais nada a perder, portanto, quando a professora se virou na direção da própria mesa, a garota ironizou:
— Não, nem precisei. A senhora é uma excelente professora, por isso eu lembro de tudo do semestre passado.
Foi possível ouvir os colegas que estavam mais próximos prenderem a respiração, aguardando por alguma resposta ácida de Violeta.
Ela estava parada, com uma folha de papel nas mãos, de costas para a sala, e levou alguns segundos para responder:
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O último feitiço de Cassandra [Vencedor wattys 2021]
ChickLit** HISTÓRIA VENCEDORA DO WATTYS 2021, NA CATEGORIA LITERATURA FEMININA ** Às vésperas de completar 36 anos, Regina recebe uma carta de sua avó Cassandra que, quando estava viva, afirmava ser uma bruxa, nunca sendo levada a sério. Regina agora tem e...