"Não era mais o mesmo
Mas estava em seu lugar"(Astronauta de Mármore – Nenhum de nós)
Era uma sexta-feira, a última antes do início das aulas noturnas no curso técnico de administração e um mês e meio antes de seu tempo no passado ser encerrado. Regina havia decidido saciar naquele dia mais uma curiosidade: ver Tiago mais jovem.
Ela sabia que ele já estava de volta de seu intercâmbio e sorria entusiasmada dentro do ônibus, imaginando como ele seria aos vinte anos.
A rua em que a sogra morava era exclusivamente residencial, porém desembocava numa avenida de comércio. Regina escolheu vigilar na padaria que ficava da esquina, sentou-se numa das mesas de plástico e passou algumas horas lendo um livro e consumindo um suco. Enquanto o movimento não era intenso, os funcionários não a incomodaram, entretanto, em torno das 17h, quando a happy hour começou, ela teve que abandonar seu posto. Durante toda a tarde não havia presenciado nenhum movimento na casa de Tiago e sabia que deveria ir embora, pois em breve Brigite telefonaria cobrando seu retorno, mas era quase incapaz de desistir.
Regina fez um acordo consigo mesma de que daria apenas uma volta no quarteirão, caminhando devagar, e depois iria para casa. Na segunda volta, lutando contra a amargura, observou um carro estacionando. Sentou-se na guia do outro lado da rua e fingiu arrumar os cadarços do tênis, mas foi impossível não desviar os olhos para o rapaz de cabelos escuros que descia do veículo. Ela estava um pouco distante, porém jamais deixaria de reconhecê-lo e seu coração jamais deixaria palpitar de um modo diferente na presença dele.
Tiago e um outro garoto falavam alto da calçada:
— Meio–dia.
— Uma hora!
— Vocês estão doidos? — a motorista de cabelos vermelhos colocou a cabeça na janela aberta — sabadão! Feijuca com pagode no Salve Jorge, às duas!
Regina sorriu, se lembrando do lugar citado. Tiago adorava aquele bar e os dois o frequentariam com assiduidade.
Tiago deu a volta no carro e, se inclinando, deu um beijo rápido na boca da garota:
— Combinado.
Regina apoiou os antebraços nos joelhos e suspirou, um pouco enciumada, um pouco encantada com a cena.
Quando o carro se afastou ela ainda observou os dois prováveis amigos conversarem por alguns minutos, sem distinguir sobre o que falavam. Tiago estava mais magro e vestia uma camiseta bastante feia, com a gola deformada, provavelmente resultado de seu último ano aprendendo a lavar a própria roupa. Por outro lado, ele gesticulava do jeito que ela tanto conhecia e usava uma barba por fazer que ela só tinha visto em fotos e que o deixava bem atraente.
Sua vontade era atravessar a rua correndo e se jogar nos braços dele, roubando-lhe um beijo. O aquecimento de seu corpo e o sorrisinho travesso foram interrompidos quando o rapaz desconhecido puxou Tiago pela mão e o beijou na boca.
— Você tá doido? — Tiago deu dois passos para trás e apontou na direção da casa — Minha mãe!
— Afe Tiago, fala sério! Você acha o que?! Vê se cresce!
O rapaz de afastou e Tiago abriu o portão, entrando rapidamente.
Regina continuou boquiaberta e assistiu o rapaz olhar para trás ao chegar na esquina. Talvez tivesse esperanças de que Tiago não tivesse fugido dele.
Ela sabia que o marido era bissexual, entretanto nunca o tinha imaginado assim tão promíscuo, ou confuso.
E foi por isso que decidiu que no dia seguinte estaria no bar mencionado pela garota dos cabelos vermelhos. Quem sabe ele daria uma chance para Regina também.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O último feitiço de Cassandra [Vencedor wattys 2021]
ChickLit** HISTÓRIA VENCEDORA DO WATTYS 2021, NA CATEGORIA LITERATURA FEMININA ** Às vésperas de completar 36 anos, Regina recebe uma carta de sua avó Cassandra que, quando estava viva, afirmava ser uma bruxa, nunca sendo levada a sério. Regina agora tem e...