#38 - Incógnitas

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Este capítulo pode conter Spoilers!

A luz aconchegante do sol banhava o extenso campo de margaridas de lado à lado das cordilheiras e a brisa suave da primavera carregava o cheiro delicado das flores por extenso. O céu nublado e cheio de vida alimentava a beleza do local. Os raios radiantes da gigante estrela penetravam os olhos fechados da mocinha deitada em meio às flores, foi aí que, sentindo-se incomodada com a repentina luminosidade, começou a despertar de seu profundo sono. Abriu os olhos lentamente e tentou proteger a visão com os dedos, foi então que ela se sentou no gramado e girou a cabeça vagarosamente, avistando o horizonte: montanhas enormes cercavam o vale de grama alta e flores exuberantes, havia um imenso lago de águas suaves logo a frente do campo.

A menina estava parcialmente confusa, mas encantada ao mesmo tempo. Levantou apoiando-se em seus joelhos, e agora de pé, limpou delicadamente as bordas de seu vestido amarelo. Sua silhueta juvenil indicava que ela caminhava para cerca de seus doze ou treze anos. A mocinha de cabelos loiros encaracolados olhou novamente os arredores e constou o quanto era belo aquele lugar, mas se sentia estranha, pois não se recordava de como foi parar ali, nem sequer sabia o que tinha acontecido antes “dalí”. Começando a ficar apreensiva, olhando detalhadamente para às margens do lago, e só por este momento notou a presença de uma segunda garota agachada na beira da água e aparentemente remexendo algumas pedras ovais.

Sem saber exatamente o que fazer, chegou cada vez mais perto e em passos calculados, observando a fisionomia da outra garotinha delicadamente. Seus cabelos eram lisos e compridos, negros e em uma tonalidade quase azulada como o breu do céu noturno. Tinha a pele levemente parda e estava trajada com um mesmo tipo de modelo de vestido da outra garota, porém, ao invés de sua coloração ser branco, o mesmo estava bastante encardido e com algumas costuras nada sutis. As pontas e bordas do seu vestido também estavam desgastados. Não se mexeu em nenhum momento quando a garotinha loira se aproximou dela, estava focada demais abaixada e apoiada em seus joelhos, escolhendo cuidadosamente algumas pedras e ponda-as de lado.

─ Olá. ─ a menina tentou uma aproximação, mas não sabia exatamente se era o certo a se fazer. ─ Você está sozinha?

Estava a poucos metros dela e então parou de se mover quando sentiu uma pequena força de atração puxá-la para mais próximo, porém, usou todas as suas forças para manter-se no lugar. Por um momento, imaginou que já havia passado por algo semelhante antes, mas não conseguia lembrar-se de nada claramente.

Após um longo momento em silêncio, a segunda garota finalmente respondeu, com um tom entristecido:

─ Estamos todos sozinhos.

─ Hm? Não entendi, desculpe!

O vento começou a ficar mais forte, arrancando as pétalas mais frágeis das flores e levando-as para longe.

─ Você é muito gentil. ─ continuou a garota, em um ar misterioso. ─ Me perdoe por ter feito isso com você.

─ Por ter feito… Isso… Comigo? ─ aparentemente indagou confusa, mas logo sua mente começou a se abrir.

Seus olhos arregalaram e sua expressão mudou, levando embora o sorriso carismático para dar espaço à uma fisionomia de pavor. Começou a recordar-se lentamente de coisas assustadoras que até então não sabia de onde estavam vindo, mas sentia intensamente que era algo real. Algumas lágrimas caíram, incontroláveis.

─ “Aquilo”. ─ respondeu parcialmente dando-se conta ao que ela estava se referindo. ─ Você fez aquilo com todos nós.

─ Me perdoe. ─ continuou separando as pedras, mas havia sinceridade em suas palavras. ─ Depois que tudo aconteceu, eu fiquei profundamente magoada, e com raiva… Muita raiva. Não consegui controlar o que “ele” havia me sugerido fazer.

─ Ele?

─ As coisas não deveriam ter saído dessa forma. Acredite em mim! Se o primeiro vencedor tivesse feito tudo como o esperado, todos estariam livres, mas, essa pessoa os ignorou completamente.

─ Quem foi o primeiro?!

─ Não posso tirar vocês disso, por mais que seja a minha vontade fazer isso, não tenho mais essa capacidade. ─ continuava falando como se não conseguisse ouvir suas perguntas. ─ Vocês precisam continuar, juntos! Eu não tenho mais tempo, me perdoe. Queria poder desfazer tudo.

Só após um momento foi que a garota loira se deu conta do que estava acontecendo, a outra menina não estava somente separando pedras de um mesmo tamanho, mas também, formou uma sequência de números no chão.

─ Você é muito gentil, Suzan… Continue assim.

─ Espera! Nós… Podemos realmente sair?! Podemos dar fim nisso?

A garota misteriosa finalmente virou o rosto e a encarou, mas seus olhos estavam negros e lágrimas de sangue derramava por eles. Aquela garota realmente estava chorando, mas só no último instante foi que revelou sua face, caso contrário, sua companheira poderia fugir de medo, mas ela não sentiu-se apavorada, pelo contrário, conseguiu sentir claramente a mesma dor que aquela menina estava sentido.

─ O que todos fizeram, não foi motivo para punir vocês, só agora vejo isso. ─ com dificuldades, abriu um doloroso sorriso, ao qual tentou passar conforto, mas quem estava tentando enganar? ─ Eu perdôo você! ─ concluiu por fim.

Repentinamente, a garota simplesmente desapareceu sem deixar vestígios, em um único piscar de olhos.

Confusa e abalada, a outra garota ficou desestruturada sem saber o que estava acontecendo, mas podia ter uma noção. Foram muitas informações para que ela pudesse chegar em uma conclusão, pois, para sua insatisfação, a menina tinha deixado muitas perguntas abertas; Quem foi a primeira pessoa que venceu aos jogos? Por quê não conseguia desfazê-los, já que foi a responsável por eles? Eles poderiam mesmo sair daquele pesadelo? Porém, a questão mais delicada que foi deixada ao ar; Havia alguém que influenciou na criação dos jogos? E se realmente houvesse, essa pessoa seria um jogador ou alguém fora de tudo isso? Tudo estava tão confuso e perturbador, como sempre foi.

Não conseguiu tirar os olhos do chão. O padrão deixado ali foi desenhado delicadamente com as pedras em tamanhos iguais, mas ainda assim, haviam peças faltando para completar todos os números. Não estava totalmente explícito, mas distinguível.

“971”

Por um momento, a garota pensou no porquê ela não tinha dito o que era e para quê serviam aqueles números. Porquê não os tinha deixado explícitos. Não poderia deixar?

Angustiada, a garotinha não tinha outros pensamentos a não ser que tudo poderia piorar (mais do que já estava). Queria poder entender o que realmente tinha ou estava acontecendo, e entre seus delírios de dor e insanidade, tentou acender uma chama de esperança em seu peito por mais impossível que fosse:

─ Ainda não acabou. Não é assim que deve acabar.

Pesadelo - Os Jogos de EllaOnde histórias criam vida. Descubra agora