As semanas que se passaram após o baile foram praticamente uma rotina: Ia pra escola com Adam- dois sonâmbulos de farda, como a mãe dele costumava se referir- sem pronunciar nenhuma palavra, apenas olhares e sobrancelhas erguidas quando algo de anormal aparecia no caminho de sempre. Foi incrível como atingi um nível de amizade tão grande com uma pessoa em tão pouco tempo. Depois aula e almoço com meu Allan Poe em mãos, e as quartas quando eu não tinha aula de música e ele não tinha futebol, voltávamos juntos pra casa conversando e tirando sarro das pessoas na rua.
Não tinha muitas amigas da minha classe, mas com Adam eu não sentia falta de nada disso.
Até que um dia, uma delas chega pra mim:
--- Ei, quer tomar sorvete depois da aula com a gente?
--- Tá, tudo bem.--- O que eu tinha a perder, não é mesmo?
--- Eu sou Danna, te apresento as outras depois. Beijinhos.
O professor do último horário chegou e Danna foi rebolando para sua cadeira em seus jeans apertados.
O horário demorou para passar, não vou mentir, eu realmente estava ansiosa para aquilo, desde que eu me mudei só havia Adam, não tinha nada para reclamar dele, o garoto fazia o papel de amigo com maestria, mas não tinha criado amizade com ninguém da minha classe. Talvez essa fosse a minha chance.
O horário bateu e arrumei minhas coisas enquanto as meninas me esperavam perto da porta. Eramos um grupo de oito e Danna tomou as rédeas da situação:
--- Sara, estas são Eugenie, Meggie, Julie, Martha e Anna.
Elas deram um sorriso em minha direção com seus dentes brancos e seus batons perfeitamente no lugar. A mais alta delas, Anna disse que a sua mãe tinha separado um lugar para suas amigas na sorveteria que possuíam na praça que ficava a duas quadras da escola. O lugar era realmente lindo, não era extravagante como a garota. Bem iluminado, com canteiros abaixo da janela, mesinhas redondas de madeira e um papel de parede floral. E o melhor de tudo: eles tinham sorvete de café com chocolate, a oitava maravilha do mundo. Fui a última a voltar pra mesa e elas já estavam num papo entusiasmado sobre o último desfile da Victoria's Secret, reclamando da mísera gordura de seus corpos magérrimos e que não tinham achado o tom perfeito de blush para suas bochechas.
--- Você vive lendo no pátio, né? --- Julie falou baixinho começando uma conversa apenas entre nós.
--- Claro, tem coisa melhor pra passar o tempo? E além disso é bom dar uma escapada daquela escola sufocante.
--- Imagine se você estudasse lá por mais de cinco anos... Mas vai pra onde quando tá fugindo?
--- Allan Poe, sempre e compulsivamente.
--- Jura? Já tentei mil vezes e não consigo de jeito nenhum. Julia Quinn, conhece?
--- Romance de época? Não, definitivamente não é muito minha praia.
--- O QUE? Como pode dizer isso sem conhecer? --- as meninas passaram a prestar atenção na nossa conversa depois do grito--- tenho que ir para a aula de piano agora, mas depois a gente termina esse papo. Tô tão atrasada...
--- Ela quer ser uma pianista, vai se apresentar pra orquestra sinfônica de Berlim daqui a dois meses, está treinando como uma condenada a coitada... Mas me fala de você, Sara
--- Errrrrr... --- Eugenie, a que parecia ser a líder entre elas, me aterrorizava um pouco. Sorridente demais, cabelo arrumado demais, sotaque demais. Ela era sufocante. Principalmente quando te faia perguntas olhando nos seus olhos.
--- Vi que Josh Reynald estava olhando pra você na festa de Prissy... ele é íncrivel, não?
--- Quem é Josh?
--- O QUE?--- todas elas gritaram juntas como num filme adolescente, mas foi Martha quem continuou--- Ele é um dos caras mais lindos do último ano.
--- E tem aquele menino novo, o Adam.
--- Sara, você tem muita sorte. Queria ter dois caras assim de olho em mim.--- Danna completou
--- Mas eu e Adam não temos nada, somos só amigos, seria estranho.
--- Ai Sara... você é tão ingênua. --- Eugenie disse com aquele olhar aterrorizante.
--- Se quiser a gente te passa umas dicas de como conquistar ele.
Nesse momento, nesse exato momento, o cabeça de vento de quem estávamos falando passa pela porta e acena COM UM SORRIZINHO na nossa direção e as garotas me dão aquele famoso olhar de quem quer dizer "hmmmm, vamos formar esse casal de qualquer jeito". Ele passa para o balcão.
--- Vem cá Sara, deixa eu passar esse gloss em você. Pronto, agora vai lá falar com ele. Demonstra interesse.
--- Mas eu não...
--- Calada! Vai logo. --- e Danna me deu, literamente, um empurrãozinho.
Cheguei o mais perto de Adam e tentei dizer sem mover muito os lábios.
--- Me tira daqui.
--- Ah, que isso Sara, se dê a oportunidade de conhecer gente nova, ampliar seu catálogo de amizades...
--- Adam, por favor, deixa o deboche pra depois e só me arranja uma desculpa pra mim.
--- Que isso. Elas parecem ser tão a sua cara... Mas espera, por que você comeu cozido e não limpou a gordura da boca?
--- Vou arrancar tua cabeça fora. Elas estão tentando dar uma de "casamenteiras" pra nós.
--- Que fofas, olha a carinha delas pra nós, tirando a loirinha, ela tá me assustando.
--- POIS É. Agora imagine essa garota me olhando a tarde inteira.
--- Ok, agora estou convencido.
Ele pegou seu sorvete com uma mão e na minha com a outra. Fiquei olhando pra cara dele com uma cara de quem não estava entendendo coisa alguma que se passava naquele local, até que ele se aproximou do meu ouvido e sussurrou:
--- Não podemos deixar elas sem nada, não é mesmo? --- antes que eu pudesse fazer algum protesto ele me levou até a mesa
--- Ei, se vocês não se incomodarem, gostaria de roubar a Sara de vocês.
Ele sorriu pra elas e pareciam que elas iam derreter igual os sorvetes que estavam em seus copinhos.
--- Não se preocupa, a gente já estava indo embora mesmo. Prazer, sou Martha.
Ele puxou sua mão para dar um beijo. Sério, a garota ia ter um colapso.
--- Adam.
Ele pegou minha mão de volta e fomos caminhando até a parada que ficava em frente a escola.
--- Então esse é seu plano de vingança para a população feminina?
--- Por que eu iria querer me livrar de uma parcela tão boa da população? Tirando você, claro.
--- Falou o garoto que está comendo o pior sabor de sorvete já inventado.
--- QUE TIPO DE SER HUMANO É VOCÊ, QUE NÃO GOSTA DE SORVETE DE MORANGO? ISSO É DELÍRIO DE FEBRE?
--- Só um ser humano com bom senso.
Ele levantou uma das sobrancelhas e fez uma expressão de nojo. Subimos no ônibus e dividimos o fone de ouvido.
--- Ah, valeu por hoje. Eu realmente não estava mais aguentando ficar ali. Só tinha uma pessoa legal e ela já tinha ido embora.
--- Não se preocupe, seu príncipe do cavalo branco sempre aparecerá nos momentos exatos.
Dei um tapinha em seu braço. Sinceramente, alguém tinha que dar um jeito no ego desse garoto.
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Gardenville
Short StorySempre existiu no mundo corações partidos e almas incompletas no mundo. Mas o que se esconde da maioria das pessoas é que há pessoas assim que não tem a miníma ideia do seu estado. Sara teve uma briga com seu melhor amigo, antes dele ir embora. Poré...