Era um sábado e nós voltávamos de uma feira da escola que marcava nosso último dia de aula, eu terminava o segundo ano e Adam o último ano do ensino médio, meus pais tinham viajado para o funeral de um amigo que eu não conhecia e Mary disse que eu podia ficar na casa dela e aproveitar o começo das férias com Adam. Chegamos exaustos, ele estava sujo de tinta por causa de uma brincadeira que os veteranos fizeram e eu porque era sedentária mesmo e não aguentava a caminhada de três quarteirões entre minha casa e a escola.
--- É melhor você tomar um banho antes da sua mãe chegar ou ela te mata por entrar em casa desse jeito.
--- Que nada, Mary tem a alma artística que você não tem, isso aqui --- falou enquanto passava a mão por sua camisa manchada--- em alguns anos estará no museu do Louvre.
--- Uma Monalisa, é claro.
--- Cala a boca. --- falou enquanto jogava uma almofada na minha cabeça.
Ele voltou do banheiro vestido com uma calça jeans e uma camisa preta que contrastava com o seus curtos cabelos dourados. Sério, dava um ódio em saber que o desgraçado não precisava fazer muito esforço pra ficar bonito.
--- O quê? Sara Peterson contemplando minha beleza? Eu sabia que esse dia chegaria. --- olhei pra ele com uma cara de bosta e ele continuou --- enfim, fiz uma receita que achei na internet, quer provar?
--- Claro, bora vê se o garoto já está bom pra casar.
Ele abriu o forno e puxou uma torta que já estava com dois pedaços faltando, colocou um pedaço no meu prato junto com um pouco de salada e arroz. Levei pra mesa e comecei logo a comer porque meu estômago estava fazendo barulhos estranhos há tempos. E MEU DEUS. Como aquilo estava horrível, eu não conseguia nem explicar o gosto -ou a falta dele- daquela coisa. Olhei para Adam que estava fingindo colocar comida em seu prato enquanto sacudia os ombros de tanto rir.
--- Mary disse que tava parecendo areia de praia, mas a sua cara na hora que mastigou foi a melhor.--- ele disse isso enquanto se dobrava de rir e desviava dos meus tapas.
--- Porra Adam, eu tava morrendo de fome.
--- O pessoal tava marcando uma pizza lá na Dorothie's.
--- Nem precisa falar mais nada, bora logo.
Chegamos lá e o lugar estava infestado com a turma de Adam, ele foi falar com os meninos do basquete, enquanto as garotas retocavam o batom pra ir falar com ele e eu ia para uma mesa afastada pedir uma de 4 queijos com borda de catupiry. A pizza não demorou muito para chegar, apesar do tanto de gente que tinha lá, agarrei o primeiro pedaço como se fosse a primeira refeição da minha vida, tentando matar minha fome e de quebra esquecer o gosto daquela "torta". Mal notei quando um garoto chegou e sentou na minha mesa.
--- Precisa de ajuda por aqui?
--- Não, acho que consigo dar conta sozinha. --- quando falei ele me olhou com um olhar meio triste e ia se levantando, quando eu o segurei pelo pulso --- mas queria uma companhia.
Então ele abriu um dos sorrisos mais lindos do mundo e ainda bem que eu estava sentada porque minhas pernas estavam parecendo gelatina.
--- Você tá com a turma?
--- Estudo sim com eles, mas "estar com eles" é um termo muito forte, aqui eles ainda tem aquela exclusão com os nerds que nem nos filmes.
--- Você é de onde?
--- De Gardenville, mas minha mãe casou de novo e veio morar aqui, vou voltar pra lá, morar com meu pai e fazer faculdade.
--- Dizem que a universidade de lá é bem boa.
--- É sim, mas por favor eu não aguento mais falar de vestibular, ainda mais agora que eu tô esperando o resultado.
--- Okay, então vamos começar do zero. Sara Peterson.--- falei estendendo minha mão, e céus, ele sorriu daquele jeito de novo quando estendeu sua mão pra me cumprimentar. Eu ia derreter naquela cadeira.
--- Christian Wakefield, é um prazer conhecê-la, senhorita.
--- Também não é pra tanto, pega um pedaço antes que essa pizza esfrie.
Ele aceitou e comemos em silêncio apenas com ele me encarando de um jeito que eu não consigo explicar, como se olhar pra uma pessoa daquele jeito fosse comum pra ele, mas extremamente incomum pra mim, mas não de um jeito que eu me sentisse desconfortável, de um jeito que eu me sentia poderosa. E ficamos nisso até o celular gritar com o nome "Mãe" na tela. Ele atendeu e quase não falou nada, passou a mão por seus cabelos como os caras fazem quando algo dá errado.
--- Sara, desculpa, eu realmente preciso ir, o carro da minha mãe furou o pneu e ela não sabe trocar. Por favor não pensa que é desculpa.
--- Nem passou pela minha cabeça. --- ele levantou uma sobrancelha pra mim em incredulidade --- De verdade.
--- Salva teu número. --- peguei seu celular e coloquei meu número lá e ele saiu apressado pela porta. O vi pela janela até ele arrancar com sua moto e percorri o Dorothie's com os olhos. Havia garotos se esbaldando de pizza e garotas sentadas em seu lado, competindo entre elas pra ver quem dava o maior sorriso. Parei meus olhos em Adam, que não estava muito diferente da maioria, em uma de suas mãos ele segurava um copo de coca-cola e a outra rodeava a cintura de uma loira que eu tinha esquecido o nome agora. Suas pernas abertas e sua postura deitada no encosto da cadeira demonstravam a naturalidade com que ele fazia aquilo e a cada risada e cada sussurro no ouvido da garota que a fazia ficar hipnotizada por ele. Depois de mais alguns minutos a garota foi embora e Adam veio na minha direção. Se sentou e pegou um pedaço da pizza, que parecia não acabar, e falou:
--- O garoto era bonitinho, como tu espantou ele?... Hmmm pizza fria é a comida mais deliciosa do mundo.
--- Você é doente. E a mãe dele precisava dele pra trocar um pneu.
--- Ah não, e tu acreditou?
--- Vai se foder, Adam.
Depois disso fomos pra casa, nos trocamos e ele arrumou um colchão na sala pra ele dormir enquanto eu iria dormir em seu quarto. Rolei na cama por bastante tempo até ir ver se aquele garoto ainda estava acordado.
--- Tô sem uma gota de sono.
--- Senta aqui, bora vê um filme.
Não precisei pensar duas vezes, sentei no colchão enquanto ele escolhia o filme e sentamos na pose clássica: eu sentada apoiando sua cabeça em meu colo com as costas apoiadas no sofá enquanto ele mexia nos meus cabelos que eram tão grandes que mesmo eu sentada eles ainda ficavam arrastando no colchão. Era já uma coisa tão natural entre nós que não precisava de permissão e nem de ajeitar, pois já sabíamos a forma exata de não incomodar nenhum dois dois.
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Gardenville
Short StorySempre existiu no mundo corações partidos e almas incompletas no mundo. Mas o que se esconde da maioria das pessoas é que há pessoas assim que não tem a miníma ideia do seu estado. Sara teve uma briga com seu melhor amigo, antes dele ir embora. Poré...