Capítulo VII

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Paramos em um posto de gasolina no caminho. Adam entrou na loja de conveniência e eu fiquei esperando dentro do carro. Era estranho o ver de novo, por mais que já não fosse mais uma surpresa, estar com ele era estranho. Era como se tudo tivesse mudado, mas continuava a ser como antes. Nós dois havíamos mudado, o que existia entre nós havia mudado; mas parece que a confiança que existia ainda estava lá, um ano longe dele e mesmo assim eu ainda confiava a minha vida àquela criatura. Era como andar dirigir um carro novo: você sabe dirigir um carro, onde acelera, como regula um banco, mas você não tem segurança na primeira vez, até ver que aquilo é como sempre foi.

Ele colocou as sacolas no banco de trás e dirigiu sem falar uma palavra. Chegamos em um condomínio de prédios e entramos no apartamento de Adam. Era um pouco maior que a minha kitnet, só que com uma pequena varanda e dois quartos. Adam entrou no que eu acho que era o quarto dele e voltou de lá com uma toalha, uma camisa e lençóis. Ele deixou os lençóis no sofá e colocou a mão na minha coluna para me guiar. Eu estremeci com o gesto, lembrando de todos os acontecimentos dessa noite.

--- Sara, já passou. Acabou. Tudo vai ficar bem agora. Eu tô aqui, qualquer coisa é só pedir. Aqui fica o banheiro peguei essa minha blusa e esse calção meu pra você. Tem um cordão é só apertar.

Minha cabeça ainda rodava demais pra eu assimilar tudo aquilo que estava acontecendo. Entrei no chuveiro e quis que a água e o sabonete lavassem toda a sujeira que eu sentia dentro de mim, toda impotência e raiva acumulada daquela situação. Ali eu deixei tudo vir, sentir tudo. O ardor das feridas, o medo que senti de Darcy, a volta de Adam, não ter mais onde morar... Chorei por tudo aquilo, misturando minhas lágrimas com a espuma do shampoo. Terminei de fazer as coisas no automático: vesti as roupas que Adam tinha me emprestado e sequei meus cabelos de qualquer jeito.

Quando saí do banheiro meus olhos estavam vermelhos e meus cabelos estavam embolados por não os ter penteado. Adam havia colocado pratos na mesa e estava tirando uma lasanha do microondas. Sentei na mesa e ele serviu um pedaço para cada um de nós. Fiquei olhando por um longo tempo para a comida no meu prato.

--- Sara, por favor, coma. Você precisa.

Comecei a fazer o que ele tinha me pedido a passos lentos. Ele terminou antes e só percebi que tinha se levantado da mesa quando escutei o barulho do chuveiro. Quando ele voltou viu que faltava pouco para eu acabar de comer e olhou para o corte na minha testa.

--- Posso cuidar disso?

Apenas balancei a cabeça e ele começou a passar pomadas e gaze, depois, se abaixou e fez a mesma coisa com o meu joelho.  Quando terminou, pegou meus cabelos e começou a desembaraçar devagar, como eu sempre fazia, das pontas para a raiz, fazendo uma trança em seguida. Só percebi que estava chorando quando senti as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas. Ele virou a cadeira e me deu um abraço forte e eu comecei a chorar compulsivamente e Adam começou a chorar junto comigo.

--- Sara me desculpe, eu devia ter continuado seguindo ele depois que ele dobrou aquela rua e saiu da rota do ônibus, isso poderia não ter acontecido... Eu voltei por que... na verdade eu nem sei o por quê, eu só senti que deveria.

--- Não é sua culpa Adam.

--- Muito menos a sua.

Ficamos assim por um tempo, eu sentada na cadeira e ele ajoelhado acariciando minhas costas enquanto lágrimas silenciosas ainda teimavam em cair. Até que ele se levantou e eu fui atrás. Ele me levou para o quarto de visitas e me cobriu com um cobertor. Eu me sentia extremamente cansada. Senti meus olhos pesando, mas ainda sentia o medo tomando conta de mim.

--- Boa noite Sara.

Ele desligou o abajur e já estava se levantando da beirada da cama. Usei a força que me restava para segurar seu pulso e o impedir de se levantar.

--- Fica. 

E ele deitou ao meu lado e eu dei uma parte do cobertor pra ele. E ele ficou.

No outro dia eu estava sozinha naquela casa que por um momento não lembrei de quem era. Fui até a cozinha e havia uma xícara com um pratinho em cima da mesa, o último coberto com um pano, debaixo dele havia ovos e torrada. Coloquei café na xícara e comi aquilo que tinha sido preparado pra mim. Arrumei as coisas e comecei a dar uma volta pela casa, era tudo muito diferente do seu quarto da adolescência: bagunçado e cheio de coisas dentro, haviam poucos móveis, só os mais necessários, uma pilha de livros e folhas espalhadas em uma mesa de estudos na sala e fotografias na parede, haviam fotos do time de basquete, várias de sua mãe, algumas do pessoal da faculdade e nossa foto do baile.

---  Foi Mary quem fez o mural na primeira vez que veio me visitar.

--- Estou impressionada de ter uma foto comigo aqui.

--- Nunca quis que você sumisse da minha vida... Mas depois do que aconteceu não tive mais coragem de falar com você de novo.

--- Adam...

--- Tudo bem, nós conversamos em outro momento, mas não agora. Vamos ter tempo pra isso. Quero que você fique aqui até achar um lugar decente pra morar. Pode  ser?

--- Não vou mentir que já estava me perguntando que horas que você ia chutar minha bunda daqui. Falando sério agora, obrigada por isso, por ontem e pelo que você tá fazendo por mim.

--- Não precisa agradecer Sara. Sabe que eu sempre vou estar lá quando você quiser. 

Ficou um silêncio um pouco constrangedor entre nós quando ele interrompeu:

--- Agora me deixa ir pegar suas coisas na kitnet, porque por mais que minhas roupas fiquem lindas em você sinto em dizer que não tenho uma calcinha que sirva.

--- Obrigada por eu não me fazer voltar lá. E por favor não demora lá.

Ele me deu um sorriso amigável e esperou enquanto eu pegava as chaves na mochila e entregava para ele. Assim que ele se foi sentei no sofá percebendo que eu queria que meu reencontro com Adam tivesse acontecido bem antes.  

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